Coronel Marcelo

Coronel Marcelo Fernandes comenta

O caso LOJAS AMERICANAS ou como ACREDITAR no PROPRIO CASH BACK

No final dos anos 1970, e começo dos anos 1980, ir às Lojas Americanas, ao menos uma vez por mês, era quase uma obrigação, para comprar algo que faltava em casa, ver as novidades e, principalmente, para comer o famoso cachorro quente das Lojas Americanas.

 

No meu bairro

não havia uma Lojas Americanas, mas era relativamente fácil pegar uma condução e ir visitar a loja do bairro vizinho, em Campo Grande, no Rio de Janeiro.

Era uma grande loja, de dois andares, com tudo que alguém pudesse imaginar. E, no térreo, a lanchonete central.

Saborear o cachorro quente, com muita mostarda e refrigerante, era o ponto alto do programa daqueles jovens estudantes, com pouco dinheiro no bolso.

Assim foi toda uma geração

que cresceu com aquela loja de letreiros em vermelho, fundada em 1929 por comerciantes norte-americanos associados com brasileiros, primeiro na cidade de Niterói e depois se espalhando pelo Rio de Janeiro e pelo Brasil.

O tempo passou

e as Lojas Americanas viraram sinônimo de compras rápidas, principalmente de itens de limpeza, doces, ovos de Páscoa, material escolar e, nos últimos anos, de eletrodomésticos e telefones celulares. Em qualquer shopping center, lá estará uma Lojas Americanas.

Nos anos 1990 ela quase desapareceu,

junto com as grandes lojas de departamentos, como Mesbla e a paulista Mappin.

Mas foi salva por um grupo de investidores que perceberam o alcance daquela rede de lojas junto aos consumidores de menor renda.

A grande sacada

foi transformar as Lojas Americanas em uma grande rede de lojas físicas e na Internet, num processo de verticalização de tudo que se podia, desde a fabricação de alguns itens, passando pelo banco para financiar as compras, os sistemas de Marketing Place e o famoso “cash back” dos últimos anos, em que a cada compra fidelizada o cliente recebe uma parte do valor pago para comprar algum outro item vendido pela rede.

Esse processo

transformou as Lojas Americanas num conglomerado de mais de oito empresas, desde lojas físicas até uma empresa de entregas, sendo que esta última empregacentenas de pessoas que fazem entregas como pessoas físicas ou Microempreendedores Individuais.

A evolução para se tornar um “Market Place”

deu às Lojas Americanas uma outra dimensão, permitindo que praticamente qualquer pessoa jurídica venda alguma coisa, utilizando a plataforma da empresa, que passou a receber desses fornecedores as comissões de vendas de produtos.

Mas eis que, de repente,

no começo de janeiro de 2023,uma análise preliminar das contas da empresa apontou um déficit estimado em 20 bilhões de reais nos balanços, “sem efeito caixa”, uma “anomalia” ou “inconsistência no balanço da empresa”, com os consequentes pedidos de demissão dos CEO e CFO da empresa, exatamente quem deveria se manter nos postos para explicar o fato.

A partir daí a empresa,

com capital aberto na bolsa de valores, teve suas ações desvalorizadas em mais de 80% numa única semana, terminando com um pedido de recuperação judicial, choro e ranger de dentes, mas sem que fosse explicado algo muito simples:

 

“como o Compliance da empresa e as empresas de auditoria independente, que devem opinar obrigatoriamente e anualmente sobre as contas da empresa, não apontaram isso?”

O assunto

está sendo tratado como um “erro” ou uma “forma diferente de contabilização”, nomes gentis para algo que se apresenta com todas as características de possibilidade de fraude ou maquiagem de balanços.

A fraude

é aquele ato intencional cometido por um ou mais indivíduos de uma administração, dos responsáveis pela governança, empregados ou terceirizados, envolvendo algum tipo de dolo para a organização ou para a sociedade, conseguindo, com isso, a obtenção de uma vantagem pessoal injusta ou ilegal.

O Instituto dos Auditores Internos do Brasil define a fraude como:

“Uma forma de irregularidade envolvendo práticas criminosas para obter uma injustiça ou vantagem ilegal.

Refere-se a atos cometidos com a intenção de enganar, envolvendo mau uso dos ativos ou irregularidades intencionais de informação financeira, ou para ocultar mau uso dos ativos ou para outros propósitos por meio de: manipulações, falsificações ou alterações de registros e documentos, supressão de informações dos registros ou documentos; registro de transações sem substância; e mau uso de normas contábeis”.

Na maioria das vezes,

ao ser apurada uma fraude, há uma tentativa do autor em simular um erro.Assim, é preciso diferenciar a fraude do erro.

 

O erro é um ato não-voluntário,

não-intencional, resultante de omissão, desconhecimento, imperícia, imprudência, desatenção ou má interpretação de fatos na elaboração de documentos, registros ou demonstrações, não caracterizando a intenção de causar dano.

Verifica-se então

que a intenção do agente é um fator distintivo. A apuração de erro é cabível quando os elementos e informações disponíveis a respeito dos atos ou fatos inquinados de ilegais ou irregulares, indicarem que esses foram praticados de forma não intencional por agentes públicos ou privados.

Assim,

cabe aos gestores das Lojas Americanas apresentarem uma investigação séria que defina o que aconteceu: erro grosseiro ou fraude?

 

A fraude sempre estará associada à corrupção, seja no setor público ou privado. Sem a fraude, a corrupção não consegue atingir seus objetivos.

Assim, o ano de 2023 começa com um grande indício de corrupção no setor privado e com a possibilidade de graves consequências.

 

Uma quebra das Lojas Americanas,

nesse momento, pode significar milhares de desempregados e, certamente, qualquer ajuste a ser feito nesse momento irá passar pela redução drástica de funcionários, lojas e de alcance da empresa. Ou seja, todos saem perdendo.

As perguntas que não querem calar,

entretanto, são: desde quando isso vinha acontecendo, porque a Comissão de Valores Mobiliários deixou isso passar e, finalmente, quem mais será atingido? Será que outras empresas com ações nas bolsas brasileiras podem estar passando pelos mesmos problemas?

Recentemente na história

pública brasileira verificou-se que a “contabilidade pública criativa”, assim denominada pelos gestores daquela época, foi sem dúvida o principal motivo para o impeachment do mandatário do Executivo brasileiro, cujo legado toda uma geração irá pagar, e caro.

Dada a verticalização das Lojas Americanas,

certamente outras de suas coligadas, principalmente o seu banco controlador, poderão ser atingidos pela “crise”.

 

Quanto ao investidor que colocou suas economias nessas ações, como fica?

Quem vai pagar o prejuízo?

Será que alguns investidores teriam obtido essa informação antes de ter sido divulgada e se livraram das suas ações antes da grande desvalorização?

E o mais importante:

onde estavam os responsáveis pelo Compliance que não apontaram ou apresentaram esse problema nos seus relatórios?

E, finalmente, quem ganha com essa história?

Outras empresas concorrentes com as Lojas Americanas, e que estavam em franca queda nas bolsas de valores brasileiras desde o final de 2022, ganharam um novo folego a partir dessa semana, uma delas abertamente declarada de apoio ao candidato vencedor das últimas eleições presidenciais.

Quem sabe as Lojas Americanas não esperam receber um “cash back” pelas suas próprias vendas?

Com certeza essa história ainda irá render…

 

By: Carlos Marcelo Cardoso Fernandes

Coronel Intendente da Reserva da Aeronáutica; Administrador de Empresas; Especialista em Orçamento, Planejamento e Gestão Pública; Especialista em Logística Empresarial. Colaborador do 7Minutos

No final dos anos 1970, e começo dos anos 1980, ir às Lojas Americanas, ao menos uma vez por mês, era quase uma obrigação, para comprar algo que faltava em casa, ver as novidades e, principalmente, para comer o famoso cachorro quente das Lojas Americanas.
Coronel Intendente da Reserva da Aeronáutica; Administrador de Empresas; Especialista em Orçamento, Planejamento e Gestão Pública; Especialista em Logística Empresarial. Colaborador do 7Minutos
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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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