Integridade no Brasil
Toffoli manda investigar Transparência Internacional por acordo de leniência da J&F na Lava Jato
Ministro do STF diz que medida é necessária para apurar eventual apropriação de recursos públicos pela organização; ONG diz que não recebeu ou gerenciou valores do acordo
BRASÍLIA – O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue a atuação da ONG Transparência Internacional no Brasil.
Na decisão, proferida nesta segunda-feira, 5, Toffoli afirma que a medida é necessária para apurar eventual apropriação de recursos públicos por parte da organização na época da Operação Lava Jato.
De acordo com a decisão, a ONG foi designada como responsável por administrar a aplicação de R$ 2,3 bilhões em investimentos sociais previstos no acordo de leniência da J&F no âmbito da Lava Jato.
A Transparência Internacional informou, por nota, que não recebeu ou gerenciou valores do acordo.
A Transparência Internacional jamais recebeu ou receberia, direta ou indiretamente, qualquer recurso do
acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil.
A organização tampouco teria – e jamais pleiteou – qualquer papel de gestão de tais recursos, diz a nota.
Toffoli aponta que a colaboração da ONG não passou pelo crivo do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas de União (TCU).
Segundo apontam as cláusulas do acordo, ao invés da destinação dos recursos, a rigor do Tesouro Nacional,
ser orientada pelas normas legais e orçamentárias, destinava-se a uma instituição privada, ainda mais
alienígena e com sede em Berlim, afirmou o ministro.
A ação foi apresentada inicialmente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo deputado federal Rui Falcão (PT-SP), em 2021.
A notícia-crime aponta que “a ‘cooperação’ entre MPF e TI nos acordos de leniência poderia caracterizar
infrações criminais, atos de improbidade administrativa, faltas disciplinares e violações de deveres éticos e funcionais,
segundo informaram os advogados Marco Aurélio de Carvalho e Fernando Hideo Lacerda, representantes do parlamentar.
O ministro Humberto Martins, do STJ, decidiu enviar o caso diretamente a Toffoli, relator de processos no STF que apuram irregularidades na Lava Jato e a cooperação jurídica da força-tarefa com organismos internacionais.
Em dezembro do ano passado, Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência do grupo J&F. Advogados do grupo informaram que o valor já foi repactuado para R$ 3,5 bilhões. A empresa defendeu ser necessário “corrigir abusos” do acordo. Um deles seria o suposto uso de provas ilícitas.
Na decisão, o ministro argumentou que há “dúvida razoável” sobre a regularidade do acordo e que, nesse caso, o mais prudente seria suspender os pagamentos.
Relatório sobre percepção de corrupção no País citou decisão de Toffoli
Na semana passada, a Transparência Internacional divulgou pesquisa mostrando que o Brasil atingiu a segunda pior colocação da história no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2023. O reporte é produzido desde 1995. No levantamento, o País apareceu na 104ª posição entre as 180 nações avaliadas pela entidade. Quanto melhor a posição no ranking, menos corrupto é considerado o país.
O parecer da ONG elencou avanços e entraves observados em 2023 para o combate à corrupção, entre eles insegurança jurídica. No relatório consta decisão monocrática do ministro do Supremo de anular as provas obtidas por meio do acordo de leniência da Odebrecht, que atinge diretamente a validade de uma série de processos que utilizaram peças obtidas no acordo.
Leia a nota da Transparência Internacional
“Em resposta à decisão do min. Dias Toffoli divulgada hoje, a Transparência Internacional – Brasil esclarece, mais uma vez, que são falsas as informações de que valores recuperados através de acordos de leniência seriam recebidos ou gerenciados pela organização.
A Transparência Internacional jamais recebeu ou receberia, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil.
A organização tampouco teria – e jamais pleiteou – qualquer papel de gestão de tais recursos. Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a Transparência Internacional – Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de “recursos compensatórios” (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção.
O relatório incluía recomendação de que o Ministério Público não deveria ter envolvimento na gestão destes recursos. O estudo e as recomendações não tiveram e não têm qualquer caráter vinculante ou decisório.
O Memorando de Entendimento que estabeleceu esta cooperação expirou em dezembro de 2019 e não foi renovado, encerrando qualquer participação da Transparência Internacional.
Tais alegações já foram desmentidas diversas vezes pela própria Transparência Internacional e por autoridades brasileiras, inclusive pelo Ministério Público Federal. Apesar disso, estas fake news vêm sendo utilizadas há quase cinco anos em graves e crescentes campanhas de difamação e assédio à organização.
Reações hostis ao trabalho anticorrupção da Transparência Internacional são cada vez mais graves e comuns, em diversas partes do mundo. Ataques às vozes críticas na sociedade, que denunciam a corrupção e a impunidade de poderosos, não podem, no enfatizar, ser naturalizados.
Seguiremos cumprindo nosso papel na promoção da transparência e da integridade no Brasil e no mundo.”
Por Lavínia Kaucz