Perseguição judicial
Moraes mandou prender executiva do X após busca pela pessoa errada e presunção de má-fé
Ao anunciar o encerramento das atividades de seu escritório no Brasil, a rede social X divulgou a ordem judicial que motivou a decisão.
No documento, o ministro Alexandre de Moraes supõe má-fé da representante do X por não conseguir localizá-la, e decreta prisão da mulher por desobediência à determinação judicial.
A decisão também estabelece multa diária de R$ 20 mil e afastamento imediato da diretora.
De acordo com o documento, a Secretaria Judiciária do Supremo Tribunal Federal (STF) intimou a pessoa errada da empresa para depor — apesar de dados da companhia e da gestora estarem disponíveis para consulta pública no site da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp).
Na ficha da empresa, é possível verificar que o homem intimado erroneamente pelo STF deixou a direção do X em abril deste ano.
O site da Jucesp não é citado pela equipe do STF, que afirma ter sido informada por colaboradores do X sobre o engano.
A Secretaria Judiciária tentou, então, contato com a atual diretora das operações no Brasil por e-mail, mas sem sucesso.
A Gazeta do Povo enviou mensagem nesta segunda-feira (19) para o endereço citado na decisão de Moraes — rvillla@br4businnes.com —, mas recebeu uma mensagem de erro. A reportagem também tentou endereços similares, como rvillla@br4business.com, no qual corrigiu a palavra inglesa “business”, traduzida como “negócios”.
Nessa tentativa, não obteve comunicado de falha na entrega, o que pode indicar um equívoco de digitação, por exemplo.
No entanto, Moraes não cogitou essa possibilidade e, assim que o mandado de intimação foi devolvido sem cumprimento, o ministro interpretou a situação como “má-fé” da diretora da empresa, decretando prisão no prazo de 24 horas.
Segundo ele, a mulher estaria “tentando evitar a regular intimação da decisão proferida nos autos, inclusive por meios eletrônicos”.
O documento foi protocolado dia 16 de agosto, e a diretora segue “foragida”.
Jurista aponta “abuso” na decisão de Moraes
De acordo com o advogado Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP,
o ministro passa por cima de garantias e direitos individuais, pois não cabe, de modo algum, decretação de prisão à representante do X, já que não houve ocultação, explica.
Segundo o professor, o STF tem contato com os advogados da companhia, conversou com eles e estava aguardando retorno.
Além disso, a empresa ofereceu como forma de contato direto o e-mail da atual gestora, então Moraes não poderia concluir que há tentativa de ocultar-se ou de se esconder.
E, se teve erro no endereço de e-mail, por exemplo, deveria pedir correção, e não supor má-fé, continuou.
É uma decisão abusiva, que não respeita o devido processo e nem as garantias constitucionais das pessoas no Brasil,
disse o doutor em Direito, alertando que isso é preocupante.
É um completo absurdo, diz advogado constitucionalista
Em entrevista à Gazeta do Povo, o advogado catarinense Gabriel Cesar, que atua na área de Direito Constitucional e Processo Legislativo, também aponta irregularidades na decisão do ministro, caracterizando a ação como “completo absurdo”.
Além disso, em suas redes sociais, Cesar afirma que a “má-fé” apontada por Moraes teria sido “forjada a partir de um erro do próprio ministro e sua equipe”, já que a intimação foi enviada para um ex-diretor da empresa, e que a localização da gestora atual estava disponível em dados públicos.
Não tem ninguém de má-fé e nem se escondendo, disse.
Gabriel Cesar cita ainda que a decisão estabelece
imediato afastamento da gestora,
o que é inconstitucional, pois o artigo 319 do Código de Processo Penal
é aplicado somente quando há utilização da empresa para prática de infração penal, informa.
No caso, não houve infração penal alguma cometida pela empresa ou pela sua representante, tanto é que a própria secretaria de justiça do STF
admite que ela só não foi citada por dificuldades de obtenção do contato e da localização, explica o advogado.
Ele afirma ainda que a decretação de prisão foi baseada no fundamento da “não localização do réu para citação”, o que contraria entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Habeas Corpus 170036, de 2022.
E a ordem de prisão fora das hipóteses legais tem nome: é crime de abuso de autoridade,
finaliza, citando o artigo 9º da Lei 13.869.