Variedades : Cinema e Teatro

Desde o Lançamento

Inspiração de Sara Winter, filme ‘300’ foi criticado por estética fascista

Adotada por grupos de extrema-direita, obra de Zack Snyder de 2007 é acusada de propagar valores como militarismo e eugenia

RIO – Na abertura de “300”, filme de Zack Snyder sobre a Batalha das Termópilas, um bebê é inspecionado por um ancião espartano do alto de um penhasco, enquanto crânios humanos encobrem o chão.

“Se ele fosse pequeno, fraco, doente ou deformado, teria sido descartado”, avisa o narrador.

A cena é uma de tantas na produção estrelada por Gerard Butler que rendeu, desde o lançamento, acusações ao longa-metragem de veicular valores fascistas. Lançado em 2007, ‘300’ pode ser visto atualmente no YouTube e no Google Play & Movies.

“Se ‘300’, o novo épico baseado na HQ de Frank Miller e Lynn Varley, tivesse sido feito na Alemanha em meados dos anos 1930, seria estudado hoje ao lado de “O judeu eterno” [filme antissemita de 1940] como um exemplo de como fantasias racistas e mitos nacionalistas podem servir para incitar uma guerra total. Mas como é um produto do pós-ideológico, pós-X-Box século XXI, “300” será discutido atualmente sobre seus avanços técnicos, como a última novidade na linha cada vez mais cinzenta entre filmes e videogames”, escreveu Dana Stevens, crítica de cinema da “Slate”, na época do lançamento.

Inspiração para a extrema-direita

Treze anos depois, a crença de Stevens de que o século XXI seria pós-ideológico parece datada: no Brasil, o filme sobre a guerra entre a cidade-Estado de Esparta e o Império Persa dá nome ao movimento de extrema-direita 300, liderado por Sara Winter, como se apresenta a militante Sara Fernanda Giromini.

A ala mais radical entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, o grupo prega o uso de táticas de guerrilha para “exterminar a esquerda” e ganhou evidência ao realizar uma marcha até o prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) com o uso de tochas e máscaras brancas, dentro da estética criada pelos supremacistas brancos da Ku Klux Klan (KKK).

Durante o ato, o grupo chegou a usar o grito de guerra “a-hu”, usado pelo rei Leônidas de Gerard Butler para instigar seus soldados antes das batalhas contra o exército do rei persa Xerxes (Rodrigo Santoro).

Fascinação pela morte
A referência a “300” não é exclusiva do grupo liderado por Giromini.

Ainda em 2017, Tom Breihan, editor do “AV Club”, já apontava em um editorial como o filme teria servido de inspiração para a alt-right, como são chamados os jovens setores da extrema-direita que surgiram e se proliferam pela internet.

“Este é um filme que cria um grande e mítico espetáculo a partir da ideia de defender uma tropa nacional branca, e se você olhar os comentários no YouTube em qualquer uma das cenas (do filme), você vai testemunhar a feiúra humana (…)

É esse tipo de bobagem que ajudou a estabelecer um mundo onde Donald Trump pode ser eleito presidente, e merece ser lembrado por isso. É um filme influente pelos piores motivos.

“É o nosso “Nascimento de uma nação””, escreve Breihan, em referência ao infame filme de 1915 de D. W. Griffith que glorificava a Ku Klux Klan.

A aproximação da estética de “300” com a arte com intenções fascistas também foi notada em crítica do GLOBO publicada em 30 de março de 2007.

“A batalha do filme é maior do que a de milhares de persas contra os 300 espartanos. Rivalizam-se a barbárie com a com o patriotismo racional; a alma com o corpo. São questões que remetem à Antiguidade mas, nas mãos de Snyder, lembram a arte produzida pela estética fascista, com a idealização da perfeição, o apreço pelo grandioso ou a massa coreografada. E, também, com a forma como a morte, mesmo a mais violenta, parece fascinante”, escreveu o crítico André Miranda.

‘Meninos de Adolf’

Leituras semelhantes foram feitas nos Estados Unidos na época do lançamento. Roger Moore, crítico do jornal “Orlando Sentinel“, aproximou a obra ao conceito de “arte fascista” conforme a definição da escritora Susan Sontag.

“Um trabalho com uma estética obviamente fascista, (o filme) cai no amplo guarda-chuva que Susan Sontag costumava usar para abarcar a “arte fascista”, que almeja um ideal humano superficial (descomplicado, seguidor de ordens, polido e belo com guerreiros seminus) e celebra a morte (deles)”.

A comparação foi feita mesmo em publicações de direita, como o tabloide “The New York Post”.

Hoje crítico da revista conservadora “National Review”, Kyle Smith escreveu que

“não seria exagero imaginar os meninos de Adolf numa exibição de “300”, fazendo saudações nazistas uns para os outros enquanto fazem fila para ver o filme de novo”.

Enquanto isso, o filósofo Slavoj Žižek, uma referência da esquerda, defendeu o filme de críticas da época que traçavam um paralelo entre “300” e os conflitos da época no Iraque.

Ao invés de ver o filme como favorável ao militarismo e ao nacionalismo do Ocidente frente ao Oriente Médio, Žižek entendia Esparta como uma nação empobrecida que se defendia de uma potência militar.

Para ele, eram os apelos sedutores de Xerxes e suas sofisticadas armas de guerra que possuíam, na verdade, mais semelhança no mundo contemporâneo com a conduta dos Estados Unidos frente aos seus inimigos.

“Na era de hoje, da permissividade hedonista como a ideologia reinante, é hora da esquerda se reapropriar da disciplina e do espírito de sacrifício: não há nada inerentemente “fascista” nesses valores”, defendeu.

By Luiza Barros O Globo

Link original da matéria:

https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/inspiracao-de-sara-winter-filme-300-foi-criticado-por-estetica-fascista-desde-lancamento-24462396

Gerard Butler (Leônidas) e Rodrigo Santoro (Xerxes) em ‘300’ Foto: Divulgação
Grito ‘a-hu’ da marcha dos 300 de Sara Winter foi retirado do filme de Zack Snyder Foto: Divulgação
Para Žižek, o comportamento de Xerxes Rodrigo Santoro se aproxima ao dos Estados Unidos na contemporaneidade Foto: Divulgação
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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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