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Agente de uma reviravolta histórica

“A Tempestade Americana e o Fim da Ordem Global

Trump, a Rebelião Contra o Governo Mundial e o Xadrez da Multipolaridade

No pós-Guerra Fria, o mundo se entregou à ilusão de uma ordem global liberal, onde instituições supranacionais como ONU, OMC, OMS, FMI e OTAN seriam as guardiãs da paz, do comércio e da democracia.

Eram os anos dourados da globalização, quando se prometia que as fronteiras murchariam, os conflitos cederiam à diplomacia multilateral e os mercados se autorregulavam como uma dança pacífica entre nações.

Essa promessa, porém, revelou-se um castelo de areia.

A crise de 2008 expôs a fragilidade dos mercados financeiros.

A pandemia de 2020 escancarou a impotência das instituições globais diante da emergência sanitária.

E as guerras recentes – do Oriente Médio à Ucrânia – mostraram que a paz liberal era, no máximo, uma trégua sob hegemonia americana.

É nesse cenário de fratura que Donald Trump emerge, não como um acidente, mas como sintoma e agente de uma reviravolta histórica.

Ao contrário da caricatura construída pela grande mídia globalista, Trump é um estrategista instintivo que compreendeu algo fundamental: os Estados Unidos estavam sendo corroídos de dentro por uma elite transnacional que usava os próprios mecanismos do Estado americano – sua moeda, sua força militar, sua diplomacia – para alimentar uma arquitetura global que enfraquecia a soberania nacional, desindustrializava a América e pavimentava o caminho para um governo mundial sem rosto, sem voto e sem pátria.

Essa percepção não surgiu no vácuo.

Trump foi influenciado por pensadores e estrategistas que há décadas denunciam o avanço de uma governança global tecnocrática.

Entre os mais notórios está Patrick Buchanan, autor de “The Death of the West” (2001) e “Suicide of a Superpower” (2011), que criticou com veemência a imigração em massa, o multiculturalismo e a diluição da identidade ocidental. Buchanan, veterano conselheiro de Nixon e Reagan, foi um dos primeiros a propor a reindustrialização americana e a defesa das fronteiras como fundamentos de soberania.

Outro pensador crucial é Samuel Huntington, cujo “Who Are We?” (2004) argumenta que a sobrevivência da civilização americana depende da preservação de sua identidade cultural anglo-protestante, ameaçada por uma ordem global sem raízes.

Mais profundamente, a cosmovisão de Trump também dialoga com Alexandr Dugin, do lado russo do tabuleiro, cuja obra “A Quarta Teoria Política” propõe uma superação tanto do liberalismo quanto do comunismo e do fascismo, com foco na civilização multipolar e no enraizamento cultural dos povos.

Embora não diretamente vinculado a Trump, Dugin expressa a lógica antiglobalista que também permeia os círculos de Steve Bannon, ex-estrategista-chefe da Casa Branca, que se inspirou em Julius Evola e René Guénon para criticar o materialismo moderno e defender um retorno a valores civilizacionais profundos.

Bannon também é leitor de Carl Schmitt, o jurista alemão que defendia que toda política se funda na distinção entre amigo e inimigo — e que a soberania consiste justamente em decidir diante da exceção.

Trump percebeu que a globalização não era neutra.

Era um projeto político, com beneficiários claros: corporações multinacionais, bancos centrais interligados, ONGs com poder de Estado, grandes plataformas digitais e burocracias supranacionais.

Contra esse projeto, ele propôs algo radicalmente simples: America First.

Essa não era apenas uma doutrina econômica ou patriótica, mas um grito contra a diluição das soberanias em nome de um sistema que servia a poucos.

A guerra tarifária com a China, a retirada de acordos como o TPP, o ceticismo com a ONU, a crítica feroz à OTAN e a reindustrialização forçada via subsídios são peças de um mesmo quebra-cabeça: enfraquecer a espinha dorsal do globalismo, sacudir a ordem pós-1989 e inaugurar uma nova era de multipolaridade estratégica.

Mas que multipolaridade é essa?

Não se trata de um mundo onde todos são iguais. Trata-se de um equilíbrio instável entre potências que reconhecem mutuamente suas esferas de influência.

Nesse modelo, os EUA continuam sendo a maior força – econômica, militar, tecnológica –, mas abandonam a pretensão de “polícia moral do planeta”. Rússia, China, Índia, Brasil, Turquia, Irã e até a Europa (se recuperar sua autonomia) voltam a ter papéis relevantes no jogo geopolítico.

O que Trump tenta evitar é justamente o surgimento de uma governança global unificada, centralizada, que escaparia ao controle democrático e nacional dos povos.

O caos relativo de uma multipolaridade é, para ele, preferível à tirania racionalizada de um Leviatã global.

Essa estratégia foi estudada por intelectuais como Zbigniew Brzezinski, que já em “The Grand Chessboard” (1997) reconhecia que o poder dos EUA dependia do controle da Eurásia e da manutenção da fragmentação das potências regionais.

Trump, ao contrário, parece intuir que um mundo realmente multipolar pode servir melhor aos interesses americanos, desde que o país recupere sua autonomia econômica e militar.

O retorno à doutrina Monroe, com sua ênfase na primazia hemisférica e no não-intervencionismo estratégico, é visível em sua retórica e prática.

O ponto central da estratégia trumpista está na restauração dos pilares da potência americana, corroídos pela globalização:

1. Dólar como instrumento soberano, não como armadilha global.
Trump entende que o dólar, ao ser moeda de reserva mundial, beneficia Wall Street e o complexo financeiro, mas prejudica a indústria e o trabalhador americano. Um dólar forte atrai capital especulativo, encarece exportações e gera déficits comerciais crônicos. Ao empurrar países para o uso de moedas locais em acordos bilaterais (como Rússia-China ou Irã-Índia), o mundo começa a desdolarizar. Isso enfraquece o sistema petrodólar e força os EUA a reavaliar seu papel: usar o dólar como alavanca produtiva, não como âncora imperial.

2. Reindustrialização como projeto civilizacional.
A volta das fábricas aos EUA não é apenas questão de empregos. É questão de soberania. Um país que não fabrica não decide seu destino. Trump usou tarifas, incentivos fiscais e retórica nacionalista para pressionar gigantes como Apple, GM e Intel a repensarem suas cadeias de produção. A pandemia mostrou que depender da China para antibióticos, chips ou energia solar é suicídio geopolítico.

3. Tecnologia e informação como armas estratégicas.
O domínio da informação passou dos governos para as big techs. Google, Meta, Amazon, Apple e Microsoft formam um “governo paralelo” que filtra, censura e manipula narrativas. Trump, banido dessas plataformas, compreendeu o poder das redes como campo de batalha ideológica. Sua ofensiva contra o establishment digital é tentativa de resgatar o controle político da informação, algo essencial para qualquer democracia real. Essa percepção se alinha com as críticas de Shoshana Zuboff em “The Age of Surveillance Capitalism” (2019), que denuncia o poder monopolístico das plataformas digitais e sua captura da subjetividade humana.

4. Inteligência Artificial e militarização do futuro.
A corrida pela supremacia em IA não é apenas técnica – é existencial. A nação que dominar a IA dominará a guerra, a economia e a sociedade. Trump, embora mais pragmático que futurista, percebe que a China quer usar a IA para consolidar um Estado tecnocrático e vigilante. A resposta americana, sob sua visão, precisa ser baseada em inovação livre, regulação limitada, mas com diretrizes patrióticas. Essa leitura está presente também nos alertas de Henry Kissinger, que em “The Age of AI” (coautoria com Eric Schmidt) adverte sobre a mudança ontológica que a IA impõe às relações humanas e internacionais.

5. Capacidade bélica como garantia de paz.
Trump não é um pacifista, mas tampouco é um belicista tradicional. Ele defende a força como dissuasão. Seu governo evitou novos conflitos militares, preferindo o uso da diplomacia dura (como com a Coreia do Norte e Irã) e da pressão econômica. A doutrina é clara: paz através da força. Um mundo multipolar e armado tende a se equilibrar não por ideologia, mas por medo mútuo — uma reedição realista da doutrina de Raymond Aron e Hans Morgenthau, que viam na dissuasão o único meio racional de estabilidade internacional.

Essa visão, claro, atrai inimigos poderosos: tecnocratas da União Europeia, elites bancárias, mídia corporativa, burocratas da ONU, think tanks financiados por fundações globalistas, e até setores do próprio “Estado profundo” americano. Por isso Trump é combatido com tanta virulência. Não se trata apenas de discordância política – trata-se de uma luta existencial. Um confronto entre a soberania dos povos e a utopia da governança mundial.

A provocação, portanto, é simples e brutal: e se Trump estiver certo?

E se o verdadeiro perigo não for o nacionalismo, mas o globalismo sem rosto?

E se a paz mundial só for possível quando as nações se respeitarem como diferentes, e não quando forem dissolvidas numa pasta tecnocrática?

A história nos diz que impérios desabam quando ignoram a natureza humana. E esta clama por raízes, por pertencimento, por limites.

Trump, com todos os seus defeitos, encarna um retorno ao real. Seu projeto, ao invés de impor uma ordem, permite que o mundo se autorregule dentro de uma estrutura de forças que se equivalem.

Uma paz imperfeita, mas verdadeira, nasce quando ninguém tem poder absoluto. Como no xadrez, o jogo só faz sentido porque há oposição, conflito, estratégia – e limites.

Na superfície, parece que Trump quer “isolar” os EUA.

Na verdade, ele quer libertá-los.

Quer que cada nação volte a cuidar do seu povo, da sua moeda, da sua indústria, da sua história.

Não é um projeto de dominação, mas de resistência.

A um mundo cinza e controlado, ele opõe a bagunça colorida da pluralidade humana.

E talvez – apenas talvez – seja esse o único caminho possível para a paz no século XXI.

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Por: Rodrigo Schirmer Magalhães
Cientista Político

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Trump percebeu que a globalização não era neutra.
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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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