By João Jorge Robrigues
Dona Alice dos Santos Silva. Minha mãe.
Dona de um temperamento forte e intenso, Dona Alice com suas raízes indígenas, lutava muito e em especial contra a discriminação racial em direção aos seus diferentes filhos com suas cores diversas.

Nascida em 22 de novembro e 1927, filha de João Feliz dos Santos e Maria Jovem dos Santos, em Ferradas-Itabuna, Sul da Bahia, viveu entre nós até 28 de junho de 2005.
Uma incrível mulher
brasileira e uma inspiração para mim e seus filhos – Rita Maria, Cristina Maria, José Antônio. Uma senhora do carnaval, do candomblé, das festas de largo e cuja presença na rua do Bispo, no centro histórico e na Boca do Rio na Rua Hélio Machado, inspirou a minha vida positivamente.
Dona Alice
foi uma mulher à frente do seu tempo e precisou aprender a lutar desde muito cedo. Ela veio do sul da Bahia para Salvador acompanhando Dona Lourdes Tavares de Ibicaraí para ser empregada doméstica, e aqui conheceu meu pai, João Rodrigues da Silva, com quem se casou e teve os quatro filhos. Esta mulher viveu intensamente os altos e baixos da vida do casal no que diz respeito a sustentação e várias vezes tomou a iniciativa de empreender e buscar soluções para nos alimentar e fazer viver.
Dona de um temperamento forte e intenso,
Dona Alice com suas raízes indígenas, lutava muito e em especial contra a discriminação racial em direção aos seus diferentes filhos com suas cores diversas.
Lembro bem de uma passagem em São Gonçalo dos Campos quando ela travou uma briga sobre quais dos seus filhos deveriam desfilar no Terno de Reis da cidade que era formado apenas por pessoas negras o que impedia dos seus filhos Rita e José participarem por serem brancos. Ela levou a decisão ao extremo e terminamos todos os quatros filhos não desfilando no Terno de Reis. Ali aprendi sobre a igualdade na luta contra o racismo, e mantenho esta lição até hoje, transformando-a em propósito de vida.
Sendo uma mulher de origem indígena
e pele clara, apesar das dificuldades na infância no Sul da Bahia, construiu uma família que se orgulhava e se tornou se uma voz e uma pessoa respeitada por todos e todas.
Quando seus filhos vieram para o Olodum, eis que Dona Alice torna-se a protetora dos filhos de sangue e dos filhos do carnaval. Sempre na partida do bloco Olodum, o sinal para o desfile começar era dela no caminhão do som ao lado do motorista, e sempre liderando como um farol essa linda saída.
Em 2001
terminei o curso de Direito da UCSAL, pois sabia do orgulho que ela teria de ver aquela formatura do seu primeiro filho homem. Dona Alice foi a minha madrinha junto com meu filho Jorge Ricardo. Ela se vestiu lindamente e com orgulho de, mesmo não sabendo ler e escrever, ter formado um filho advogado. Apesar de eu ter deias diferentes de minha mãe, e para muitos eu ser parecido com meu pai, João Rodrigues da Silva, para meus colegas da Rua do Bispo sou vibrante com Dona Alice. Ao longo da vida tentamos achar raízes dela para podermos conhecer mais da sua história e nos inspirar. Porém nunca encontramos seus parentes no Sul da Bahia. Rita Rodrigues ao escrever o livro sobre meu pai, João Rodrigues, afirmava que ela era indígena e que tinha parentes vindos de Sergipe, mas nunca os encontramos.
Ao visitar New York,
num passeio na Estátua da Liberdade, recebi uma mensagem do teste de DNA que havia feito no Brasil junto com trinta e três pessoas. A notícia que me arrancou lágrimas era a de que, por parte de mãe sou indígena da América do Sul. Ainda embevecido de gratidão, desabei em lagrimas e feliz das minhas lembranças no bioco Apaches, e minha solidariedade aos movimentos indígenas desde sempre, e por ter ganho de minha mãe o título de cidadania mais importante da minha vida, sou índio afro brasileiro…
Em 2005, já com a saúde debilitada demais pediu para ir para a sua casa na Rua do Bispo para ficar perto do carnaval que ela tanto adorava. Antes sair para desfilar fui visitar ela vestido com as fantasias de Faraó do tema daquele ano, o Casal Solar Akhaenaton e Nefertiti e disse a ela que era uma homenagem a ela e ao meu pai João Rodrigues. Ela me puxou e disse: cuidado com fulano, e cuide do carnaval, tenha coragem, siga a luz… uma tristeza me abateu, a mulher do carnaval, a mulher das festas de largo, a inspiradora de tantas ações vibrantes do Olodum e da luta da minha família Rodrigues, a minha mãe, não veria mais o carnaval fisicamente, apenas lá de cima com a sua Yansã e com seu caboclo Boiadeiro.
Neste dia das mulheres,
quero homenagear a mulher mais importante da vida, minha mãe, Dona Alice dos Santos Silva, o começo da vida, o berço da luz e de tudo que sou.
Em seu nome homenageio todas mulheres do mundo. Parabéns pelos seus 365 dias de forca e pudor.
By João Jorge Rodrigues, presidente do Olodum


