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Quem paga a conta da histeria dos que podem parar

Até quando suportaremos assistir, em condescendente silêncio, que o abismo social já existente no Brasil se aprofunde dessa maneira cruel, minando, na base, qualquer possibilidade de ascensão cultural e econômica desta geração de crianças?

Em caminhada despretensiosa pelas ruas de qualquer cidade do interior, é possível avistar, sem muita procura, diversas aglomerações de crianças e adolescentes.

Algumas, felizes, olhos brilhando, a chutar bola e marcar gols entre traves improvisadas com algum objeto inerte, como se o tempo não houvesse passado e estivéssemos, ainda, em décadas em que toda criança tinha direito à infância.

Outras, alienadas, sentadas nos meios fios com os olhos fixos na tela do celular, levantando-os de vez em quando para estabelecer contato mínimo com o ambiente real, sem sorrir, usando a boca apenas para soltar impropérios. Vemos, também, aglomerações ainda mais tristes, em volta de postes, em círculos, olhos vidrados, e o uso de drogas sem o menor receio de reprimenda.

Há, porém, um tipo de aglomeração de crianças e adolescentes que não temos visto, antes tão comum que parece loucura ser, agora, considerada um perigo à saúde pública: a aglomeração dentro de uma sala de aula, com professor na frente, cada aluno sentado em sua carteira.

Alguém ainda se lembra?

Hoje não se vê, tampouco, aglomeração dentro de uma biblioteca, em volta da mesa, com um livro ao centro. Esse tipo de aglomeração infanto-juvenil está banido há mais de um ano. Até quando? Não sabemos.

Filho de pobre não tem direito a mais nada, nem mesmo a ser alfabetizado. Parece um disparate dizer isso assim, sem pudores, mas é a exata realidade, se encarada a sério e retratada sem rodeios ou floreios.

O ensino, já em processo avançado de degradação há anos por falácias psicopedagógicas construtivistas, que arruinaram a capacidade de leitura e interpretação das últimas gerações, com a relativização do que é cultura, com a destruição da linguagem e outras investidas devastadoras, recebe agora, sem disfarce, o golpe de misericórdia: sem escolas.

Ou alguém acredita que, após um exaustivo dia, motoboys, empregadas domésticas, babás, trocadores de ônibus, pedreiros, garis e outros tantos trabalhadores que tornam possível o funcionamento da sociedade, possuem energia, concentração e, até mesmo, instrução para ensinar os filhos em casa?

Ou que possuem notebook ou celular com acesso a uma internet ultrarrápida?

A verdade é que, há mais de um ano, as crianças que estudam em escolas públicas estão privadas de vários de seus direitos, assegurados pela Constituição, porque sua reunião, ou melhor, aglomeração, em um ambiente protegido, passou a representar uma ameaça de dano sanitário irreversível. Sem escolas, muitas crianças foram alijadas não apenas do direito à educação, à profissionalização, à cultura, à dignidade e à convivência comunitária, mas também do direito à alimentação.

Sim, porque ninguém ignora, morando no Brasil, que a merenda servida nas escolas é a única refeição diária de milhares de crianças.

Isso porque todos os direitos citados acima estão elencados no artigo 227 da Constituição como sendo DEVER da sociedade e do Estado, que deve assegurá-los à criança, ao jovem e ao adolescente, com ABSOLUTA PRIORIDADE, além de ter de colocá-los a salvo de toda forma de negligência e discriminação.

A que ponto chegará a hipocrisia dessa sociedade, cujos cidadãos defendem o fechamento de escolas públicas enquanto levam os próprios filhos a creches de luxo, clubes de natação e tênis, hotéis-fazenda, aulas de inglês e mil treinamentos disso e daquilo, além de festinhas em buffets infantis e tardes de recreação?

Até quando suportaremos assistir, em condescendente silêncio, que o abismo social já existente no Brasil se aprofunde dessa maneira cruel, minando, na base, qualquer possibilidade de ascensão cultural e econômica desta geração de crianças?

Segundo Daniel Becker, pediatra e sanitarista da UFRJ, a sociedade está adormecida, em silêncio com 40 milhões de crianças sem escola. Mas, a sociedade está, na verdade, entorpecida e embrutecida, incapaz de enxergar o outro e aceitar cogitar fatos que não soem em uníssono com o pavor e a covardia, revestido pela capa virtuosista de prevenção altruísta.

É exatamente por isso que todos se fazem de surdos a pesquisas cujos resultados são tranquilizadores. Ninguém quer tranquilidade, todos preferem continuar espalhando o pânico.

É consenso científico que crianças transmitem menos o vírus e quase não adoecem, que são muito raros os casos graves e a letalidade é quase inexistente.

O mesmo pediatra e sanitarista da UFRJ, Daniel Becker1, declarou que é muito mais grave, para uma criança, pegar influenza do que covid.

Esclareceu que mesmo que uma criança esteja com o coronavírus nas vias aéreas, ela transmite menos, e uma das explicações para o fato é que, por ser pouco sintomática, tosse pouco e produz pouco muco.

Há, ainda, a boa notícia da imunidade cruzada: a criança, por ter contato com muitos agentes e microrganismos, justamente por causa da escola, adquire uma imunidade que favorece, inclusive, a proteção dos professores.

Cita um estudo realizado na Escócia, com mais de 300 mil profissionais de saúde, que mostrou que, quanto maior o número de filhos, menos casos graves se observavam nestes sujeitos, o que revela que a proximidade com crianças funciona como elemento protetor.

O especialista sedimenta que, ao contrário do que se pensa, a escola não aumenta os níveis de transmissão comunitária, de acordo com vários estudos. Nova York fechou as escolas e reabriu por pressão enorme de cientistas. Na Europa, as escolas foram mantidas abertas porque isso é seguro.

Mas as certezas científicas advindas do âmbito internacional também têm sido solenemente ignoradas pelos adeptos do “fecha tudo”.

“Estudo realizado pelo Insights for Education2, com dados de 191 países, concluiu que a abertura de escolas não tem relação com as taxas de infecção por Covid-19, e derrubou, definitivamente, o mito que pressupõe que o fechamento das escolas diminui o número de casos e a abertura aumenta. Demonstrou, estatisticamente, que não há um padrão consistente entre a reabertura das escolas e os níveis de infecção.”

Mas ninguém parece interessado em boas notícias…

É de uma obviedade galopante que os prejuízos de manter as escolas fechadas superam, e muito, qualquer hipotético benefício de contenção da pandemia.

Quanto mais durar o afastamento das escolas, menor será o índice de regresso dos alunos.

Isso gerará uma evasão escolar como há muito não se via, e o Brasil perderá, em pouco tempo, muitos e muitos anos de campanhas e medidas contra o problema.

Filho de pobre não tem direito a mais nada, nem mesmo de ficar protegido no ambiente da escola ou da creche pública enquanto os pais trabalham para prover o sustento da casa. É melhor que fiquem na rua, a perambular, muitos já seduzidos pelos predadores do tráfico.

Mas tudo isso – não se esqueça! – é para protegê-los da ameaça de um vírus letal, que pode provocar até a morte.

Para preservá-los da morte, é válido condená-los, em vida, à ignorância, ao perigo, à desnutrição, à exploração e à violência. Danos potenciais, é claro… mas não são, afinal, também os advindos do vírus, todos apenas potenciais?

O Estado, que pela regra constitucional deveria salvaguardar crianças e adolescentes de toda forma de negligência, deixa-os ao sabor da própria sorte, sem educação, sem lazer e sem proteção de qualquer espécie.

Ninguém parece notar que, sem escolas, aumenta a exploração do trabalho infantil e de todas as formas de violência, inclusive sexual, muitas vezes dentro de casa, já que estão mais vulneráveis, em confinamento, a todas as mazelas da vida de pobre: abuso de álcool, drogas, fome e desesperança.

Alguns promotores de justiça de defesa da criança e do adolescente (não todos, é claro) formam fileira entre os histéricos do “fique em casa” e ajuízam ações civis públicas pedindo a suspensão, em alguns municípios, da retomada das aulas presenciais.

Tudo isso de dentro de seus gabinetes, com ar-condicionado mantendo a temperatura em 18º, de onde podem ver, a contento, a realidade das crianças a quem devem proteger.

Embora a Sociedade Brasileira de Pediatria afirme que as crianças não constituem um reservatório importante do vírus e que, se estiverem saudáveis, não precisam usar máscara3, todo aquele que defende o retorno às escolas e à rotina normal é logo desqualificado, tachado de louco e negacionista, termo agora idolatrado pelos adeptos da filosofia de fuga da vida como boa medida para preservá-la.

O grande problema desta sociedade, além de um egoísmo profundo, é enxergar a covardia como um valor. Todos querem salvar a própria pele e, para tanto, não importa destruir o futuro de uma geração inteira, não importa aumentar exponencialmente os riscos de depressão infantil, de violência doméstica, de abusos, de analfabetismo, de ignorância…

Na hierarquia de bens que rege a vida humana4, o bem-estar e a segurança do “eu” está sempre em primeiro lugar.

É por isso que, cada vez mais, observa-se que as pessoas têm preconceito contra a coragem.

Não suportam ver gente corajosa, que se expõe a riscos, que se expõe a errar, que se expõe ao insondável e ao imprevisível. Diante de uma pessoa corajosa, logo tentam derramar sua ladainha sentimentalista e autoprotetiva, pretensa salvadora da humanidade:

“é… mas se fosse seu filho, se a professora fosse sua mãe…”,

que parte das premissas de que o ser humano é um inepto para gerir a própria vida e não possui senso de responsabilidade sólido o suficiente para lhe conferir autonomia, necessitando, o tempo todo, ser alertado de perigos e salvo por benfeitores.

Mas a verdade é que, se olharmos a fundo as razões dos que se deixam vitimar pela neurose pandêmica (e por todo tipo de neurose), constata-se que existe, para todos, alguma vantagem secundária, algum lucro, que vai além dos rótulos humanistas, cientificistas e altruísticos, que trazem mero conforto psicológico.

Sempre há de haver algum tipo de ganho na prática.

O professor Olavo de Carvalho chamou a atenção, em artigo escrito no ano de 20145, para o fato, agora mais evidente do que nunca, de que quando uma compulsão neurótica se soma a um proveito objetivo, ficar cada vez mais neurótico se torna um modo de vida, uma forma mentis integral, que acaba por absorver a personalidade inteira.

O indivíduo perde a capacidade de autodeterminação e de análise, preso que se mantém à obsessão como novo modo, e razão, de viver.

Explica-se nisso a absoluta resistência de alguns dos professores da rede pública, em sua maioria ligados a sindicatos, na retomada das aulas presenciais. É a mais pura covardia e o mais puro egoísmo levar adiante este “fingimento histérico” fundamentado tão somente no proveito tirado do ócio e do pouco trabalho, em detrimento do futuro de milhares de crianças pobres.

Estaremos mesmo perdidos se aqueles a quem devemos tudo o que sabemos, os professores, tornarem-se criaturas preguiçosas e indolentes, indiferentes à própria missão.

Será o fim da última classe de verdadeiros heróis que ainda restava nesta sociedade.

1 https://www.terra.com.br/noticias/educacao/nao-abrir-escolas-em-2021-e-um-crime-contra-a-infancia-diz-pediatra,a3064b68f43ba91cd6acef5000c0cc1fb60fxh62.html.        Acesso em 12 de março de 2021.

2 https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/estudo-191-paises-manter-escolas-fechadas-pandemia-erro/    Acesso em 12 de março de 2021.

3 https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria-para-familias/doencas/infeccao-em-criancas-pelo-coronaviruscovid-19/    Acesso em 11 de março de 2021.

4 Segundo o filósofo Eric Voegelin, “toda vida humana está integrada em uma hierarquia de bens”.

5 Carvalho, Olavo de. Dialética da covardia, in Diário do Comércio, 28 de agosto de 2014

Por Paula Hemmerich

Link original da matéria:
https://www.estudosnacionais.com/31352/quem-paga-a-conta-da-histeria-dos-que-podem-parar/

É a mais pura covardia e o mais puro egoísmo levar adiante este “fingimento histérico” fundamentado tão somente no proveito tirado do ócio e do pouco trabalho, em detrimento do futuro de milhares de crianças pobres. Imagem: Estudos Nacionais
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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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