Estilo : Comportamento

By Yuri Godinho

Um quase diário filosófico da Covid

Em março desse ano insisti com minha sobrinha/filha médica @amandarincon que aceitasse trabalhar no Hcamp, o hospital da Covid do governo. Queria que ela tivesse uma experiência de guerra

No dia 9 de agosto, um sábado, quando a Contato Comunicação comemorava 34 anos, no final da tarde tive um sono irresistível.

Estava em Brasília, deitei e apaguei por 3 horas. Para quem acorda às 8 e trabalha noite adentro sem cansaço, aquilo foi bem esquisito. Na volta a Goiânia, no domingo à tarde, Dia dos Pais, 10, não consegui ir ao supermercado à tarde.

Na terça, dor de cabeça, nas juntas e novo cansaço. Alergia pelo tempo horroroso de agosto. Um Allegra aqui e entre melhoras e pioras chegamos à sexta quase do mesmo jeito.
Em março desse ano insisti com minha sobrinha/filha médica @amandarincon que aceitasse trabalhar no Hcamp, o hospital da Covid do governo. Queria que ela tivesse uma experiência de guerra. Foi uma oportunidade única e onde chegou a chefe da UTI.

Ao ver meus sintomas pediu que eu fizesse o teste e me fez entrar preventivamente com toda medicação.
Desde março, quando tudo fechou, não parei um dia de trabalhar na Federação do Comércio, onde valorosos amigos como @marcelobaiocchi e @wagnersiqueira haviam vencido o Covid. Estava, como Amanda, na linha de frente.

Conhecia os riscos. Conhecia a doença. Mas soldado é soldado.

Fiz a opção por um tratamento da USP, que combina dois antibióticos e um corticoide. Remédio para manter a pressão. Vitamina (que tomo há 30 anos). Paralelamente busquei a maravilhosa homeopata @analucia que me indicou cânfora 6 vezes por dia, incluindo acordar de madrugada. Mais um repositor de flora intestinal.

Entrei com o arsenal de guerra no sábado, 16, uma semana depois dos primeiros sintomas. Sem febre, mas tossindo, uma leve falta de ar. Enfileirei os remédios, coloquei hora em cada, marquei os dias. Meu apartamento virou um quartel químico.

No domingo à noite, toda comida e bebida viraram massinha. Sem gosto, sem cheiro. Na segunda, 17, me internei no Hcamp para exames. A tomografia já acusou 10% do pulmão comprometido e eu ainda nem tinha o diagnóstico. Estava me tratando há 48 horas e imaginando as pobres pessoas que ficam esperando a doença se instalar para depois tratar.

Dentre os exames, um chamado gasometria, com o sangue tirado da artéria. Dói pra cacete.

Aí veio um leve risco de trombose, o que me obrigou a repetir o exame em um laboratório particular à tarde. Tudo vira urgente. Tudo é para agora enquanto a Covid avança. Um anticoagulante de última geração entrou na receita, seguindo a orientação de Amanda e da USP.

O resultado, positivo, claro, saiu terça. Os sintomas continuavam. É muito estranho.

Você dorme com medo de morrer asfixiado na madrugada. Acorda bem. Fica felizão. Dá 10 horas e está exausto, começa a tossir, falta o ar. Meio dia parece que não tem nada e você já quer sair pra dançar.

Tudo desvanece. Seu corpo e as reações dele são a única coisa que importa. Isolamento? Bobagem? Trabalho? Besteira.

O que importa é respirar, ficar forte. Observar e aguardar. É uma guerra e agora, finalmente, você chegou no front. Mesmo não tendo ficado um dia em isolamento, eu lidava na retaguarda. Agora estou frente a frente com o inimigo. E quero matá-lo com requintes de crueldade e frieza.

Nos momentos de baixa, ouvia a voz do meu pai Jávier Godinho: “Tende bom ânimo”.

Sem drama, me aferrei à fé, que essa eu tenho inquebrantável. Tudo que é impossível dá pra fazer se você desejar. Também acredito em Deus e em forças invisíveis. Isso ajuda tanto quanto remédio, em especial nesse momento em que todo dia fica doente ou morre alguém que a gente conhece — acabei de perder um primo de 62 anos pra Covid e o Antônio Almeida da Kelps (vejam os posts que fiz pra ele ).

A coisa melhora aos poucos. É um território que você toma do inimigo. Ele bombardeia, você volta. E assim segue. Melhorei no sábado, no domingo e hoje, segunda-feira repeti a tomografia. Amanda diz que amanhã estou curado, que tá tudo bem, que é assim mesmo. Me sinto ótimo e já voltei ao trabalho pesado hoje, ainda em casa.

Mesmo cercado de cuidados e condições materiais, 25% do pulmão está comprometido, o que não é um grande problema, pois eles se recuperam. Mas a lesão dobrou de tamanho mesmo com toda medicação. Tenho 56 anos e nenhum problema sério.

Faço minhas caminhadas e corridas, aprendi lidar com stress tem uns 20 anos. Tenho família, namorada, amigos um trabalho que amo. Sou um cara feliz e realizado, com mais de 20 livros nas costas e uma rede de proteção por onde a vista alcance. Moro com meus livros, discos e camisas de futebol.

Fiquei comparando minha cara nas lives que fiz em Brasília quando senti o primeiro sintoma e uma que fiz na sexta-passada. Eu estava bonitão rs, um senhor de respeito montado pela @elzimarykarla. O arsenal químico e a luta na guerra deram uma acabada no visual e fiz questão de postar como um memorial desses tempos.

Tem um filme do James Bond, em que o a agente secreto aparece amarrado a uma cadeira sem forro. Ele está pelado. O vilão à sua frente o tortura, batendo uma corda grossa no seu saco exposto, e lhe pergunta: “Em que você é bom, James Bond?”.

E ele, rindo com a boca cheia de sangue: “Ressurreição”.

Não me lembro como, mas 007 escapa e mata o bandido.

Pois é.  “Todo Iúri tem seu dia de Bond, James Bond.”

By Iuri Godinho
Jornalista e membro da Academia Goiana de Letras

Conhecia os riscos. Conhecia a doença. Mas soldado é soldado.
Sem febre, mas tossindo, uma leve falta de ar. Enfileirei os remédios, coloquei hora em cada, marquei os dias. Meu apartamento virou um quartel químico.
Na segunda, 17, me internei no Hcamp para exames
Sem drama, me aferrei à fé, que essa eu tenho inquebrantável. Tudo que é impossível dá pra fazer se você desejar. Também acredito em Deus e em forças invisíveis.
“Em que você é bom, James Bond?”. E ele, rindo com a boca cheia de sangue: “Ressurreição”. Não me lembro como, mas 007 escapa e mata o bandido.
Pois é.    Todo Iúri tem seu dia de Bond, James Bond.
  • Fonte da informação:
  • Leia na fonte original da informação
  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

    Artigos relacionados

    Deixe um comentário

    Verifique também
    Fechar
    Botão Voltar ao topo