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Em Dark, o tempo não é linear

Dark Tropical: o nó que prende o Brasil

Assisti à série Dark e, quando terminou, algo em mim permaneceu suspenso — como se o tempo tivesse se dobrado, e o Brasil tivesse se revelado como o verdadeiro experimento temporal do mundo.

Resolvi escrever.

Não como quem faz crítica de cinema, mas como quem tenta decifrar um espelho — e nele encontra um país inteiro refletido, prisioneiro do próprio ciclo.

Em Dark, o tempo não é linear — é um círculo que se morde pela cauda, um labirinto onde o começo e o fim se confundem. Jonas e Martha passam a vida tentando romper o ciclo, apenas para descobrir que cada tentativa de fuga é o próprio mecanismo da prisão.

Foi então que percebi: o Brasil também vive dentro de um nó temporal, um ciclo de repetições históricas que se disfarçam de mudança.

A cada virada de era, acreditamos estar rompendo com o passado — mas, como no Paradoxo de Bootstrap, o novo é sempre filho do próprio erro.

Um império que se torna república por decreto militar; uma ditadura que se converte em “democracia” sem jamais expiar sua culpa; um povo que sonha com justiça, mas volta a aclamar salvadores.

Tudo parece nascer de si mesmo, sem origem real — como um evento que existe apenas porque já existiu antes.

Decidi atravessar minha própria ponte de Einstein-Rosen, esse atalho entre tempos, e me tornei um viajante dentro da história do Brasil.
Fui à Independência, e vi o grito de liberdade ecoar de um príncipe europeu.

Fui à Abolição, e vi a liberdade ser concedida sem futuro.

Vi Vargas moldar a indústria com punhos de ferro — o mesmo Vargas que foi também um ditador, como tantos que vieram antes e depois dele.

Vi o Brasil vestir novos nomes para velhas dominações: tivemos várias ditaduras, mas nunca uma democracia verdadeira.

Porque uma “democracia” onde a dignidade humana não é respeitada é apenas um regime com fachada — uma ilusão de escolha dentro de um labirinto sem saída.

Vi a “democracia” nascer com os fios da censura ainda presos às costelas.

Em cada salto, o tempo se dobrava sobre si mesmo, e a história, como uma fita de Möbius, me devolvia sempre ao mesmo ponto: o Brasil tentando se reinventar com o barro do próprio atraso.

Mas Dark me ensinou que o tempo, além de circular, também é paradoxal.

O Princípio da Autoconsistência de Novikov diz que o tempo não pode se contradizer — que o viajante não muda o passado, apenas cumpre o que já está inscrito nele.

E percebi que o Brasil vive exatamente assim: acreditamos estar escolhendo, mas estamos apenas executando um roteiro que herdamos inconscientemente.

Tentamos impedir a corrupção, mas a combatemos com os mesmos vícios; queremos ordem, mas idolatramos o caos; clamamos por liberdade, mas entregamos o poder a quem promete nos proteger de nós mesmos.

O presente é apenas o passado se repetindo de outro modo — e o futuro, uma ilusão confortável.

No meio da viagem, percebi também que o Brasil está dividido como os mundos de Adam e Eva.

Dois polos acreditando ser opostos, mas dependentes para existir.

Uma cismogênese programada — uma divisão artificial, cuidadosamente alimentada — faz com que cada lado veja no outro a origem do mal, sem perceber que ambos pertencem ao mesmo nó.

Como Jonas e Martha, que lutam entre o amor e o ódio, os brasileiros vivem presos a uma sobreposição quântica — o Gato de Schrödinger tropical: vivos e mortos ao mesmo tempo, esperançosos e desesperados, acreditando que mudarão o país, mas mantendo-o idêntico por medo de abrir a caixa e encarar a verdade.

Avancei, então, para o futuro.
E o que encontrei foi um país dividido sendo moldado por algoritmos, por sistemas de controle e crédito social, vigiado por robôs e por olhos invisíveis.

As pessoas debatiam perfumarias enquanto ainda não tínhamos saneamento básico completo.

O abismo era maior, mas disfarçado por hologramas.

O labirinto já havia se tornado interminável.

A realidade parecia um simulacro de progresso — uma modernidade digital construída sobre as mesmas ruínas coloniais.

O tempo, no Brasil, é também o Eterno Retorno de Nietzsche.

Revivemos infinitamente a mesma sequência: euforia, decepção, colapso, reconstrução, esperança.

Cada geração acredita ser a última a suportar o absurdo, mas o absurdo se renova com a mesma vitalidade.

E Nietzsche perguntaria:

E se você tivesse de reviver esta vida, exatamente como ela é, infinitas vezes?.

O Brasil parece responder: “Já estamos revivendo”.

Repetimos nossas tragédias com a devoção de quem cultua um ritual.
A corrupção vira folclore, a injustiça vira piada, e a impunidade, patrimônio imaterial da nação.

E, enquanto o tempo se dobra, a consciência se estreita.

Não conseguimos ver que tudo está conectado — a escravidão que não terminou, o autoritarismo que apenas mudou de uniforme, a desigualdade que continua sendo o motor invisível de todas as decisões.

Somos como Claudia Tiedemann, tentando compreender o nó, mas presos à própria culpa.

Como Adam, queremos destruir o ciclo, mas para isso sacrificamos tudo que nos resta de humano.

E como Martha, oscilamos entre o amor e o ressentimento por essa terra que nos fere e nos fascina ao mesmo tempo.

Talvez o Brasil seja um experimento quântico social — uma sobreposição de eras coexistindo: o engenho colonial, o palácio imperial, o quartel e o Congresso se cruzando em dimensões paralelas.

Enquanto uns vivem no futuro, outros ainda respiram o século XIX.

E, como em Dark, as linhas do tempo se confundem, formando uma colcha de repetições com novas cores, mas o mesmo tecido.

Penso, então, no fio de Ariadne — o símbolo da esperança, o guia que poderia nos tirar do labirinto.

Na mitologia, Ariadne oferece o fio a Teseu para que ele encontre o caminho de volta após matar o Minotauro — o monstro meio homem, meio touro, condenado a viver no centro do labirinto construído por Dédalo.

Mas o nosso labirinto não é feito de pedra — é feito de hábitos, crenças e ilusões.

E o nosso fio está rompido.

Cada um segura apenas o pedaço que lhe interessa — o seu lado da história, a sua ideologia, o seu herói particular.

E assim o labirinto cresce.

A saída não é política, nem técnica — é moral, é de consciência.

Enquanto não reconhecermos que o Minotauro é interno — o egoísmo, a indiferença, a esperteza que aceitamos como virtude — não haverá portal que nos salve.

O Brasil é o paradoxo perfeito: autoconsistente, recursivo, ontológico.

Não há início visível nem fim concebível.

É um ciclo de criação e destruição que se retroalimenta — e talvez, como em Dark, o único modo de libertar-se seja aceitar o sacrifício de desfazer-se.

Desfazer a imagem, o mito, a autoilusão.

Voltei pela minha ponte de Einstein-Rosen e pousei de novo no presente.

Olhei ao redor e percebi que nada havia mudado — mas algo em mim, sim.

Entendi que o verdadeiro portal não está no tempo, mas na consciência.

Enquanto o brasileiro não atravessar esse portal interno — enquanto não confrontar o que repete — o ciclo continuará se fechando, e o nó apertando.

Talvez o começo seja o fim.

E talvez o fim, quem sabe, seja finalmente o recomeço que nunca tivemos.

 

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Por: Rodrigo Schirmer Magalhães
Cientista político e Analista de Politica

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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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