Estilo : Comportamento» Estilo

Sem decretos, com as mentes livres

E se Atlas se recusasse a carregar o mundo?

Um ensaio sobre a fadiga dos que sustentam a civilização e a profecia esquecida de Ayn Rand

Na mitologia grega, Atlas foi o titã condenado por Zeus a sustentar o céu sobre os ombros — um castigo eterno por ter se rebelado contra os deuses.

A imagem é grandiosa e trágica: um ser de força sobre-humana, vergado sob um fardo que não é apenas físico, mas moral.

Ele representa o homem que suporta o peso da criação, aquele que sustenta a ordem do cosmos para que o caos não retorne.

Ao longo dos séculos, porém, essa imagem se confundiu — e, nas artes e nas metáforas modernas, Atlas passou a ser visto como aquele que carrega o mundo.

Essa variação simbólica não é um erro, mas uma ampliação: se antes sustentava o céu, agora sustenta a própria civilização.

E é justamente essa figura mitológica que Ayn Rand transforma em metáfora viva em seu romance A Revolta de Atlas (Atlas Shrugged, 1957), uma das obras mais ousadas e provocadoras do século XX.

Rand descreve uma América distópica, sufocada pela intervenção do Estado, corroída pela burocracia e pela falsa moral da igualdade forçada.

O governo, em nome do “bem comum”, multiplica regulamentações e leis que punem o mérito e premiam a mediocridade.

Cada invenção é recebida com desconfiança, cada sucesso com culpa, cada mente brilhante com um novo imposto.

Nesse cenário, os protagonistas Dagny Taggart e Hank Rearden representam o espírito dos “homens da mente”: inovadores, industriais, engenheiros e criadores que movem o mundo — ou, em linguagem mítica, os novos Atlas que sustentam a civilização sobre os ombros.

À medida que o sistema estatal se torna um vampiro moral, sugando o vigor de quem produz, os grandes talentos começam a desaparecer misteriosamente.

A economia se desintegra, as máquinas param, o país mergulha no colapso.

E então surge um nome, um sussurro, quase uma lenda: John Galt.

O homem que convenceu os Atlas a deixar o mundo cair.

Galt lidera uma greve silenciosa — não de braços cruzados, mas de mentes que se recusam a sustentar o parasitismo.

Ele reúne os criadores num vale secreto onde a capacidade e o mérito individual são as únicas leis.

A mensagem é clara e devastadora: quando os verdadeiros sustentadores da civilização decidem parar, o mundo desaba.

A Revolta de Atlas é, portanto, mais que uma ficção; é um manifesto filosófico.

Rand defende o que chama de “egoísmo racional”: a moral de viver para si mesmo, não no sentido vulgar da ganância, mas no de reconhecer que o progresso humano nasce da liberdade individual, da ambição criadora, do direito de colher o fruto do próprio esforço.

Sem isso, a sociedade se torna um cemitério de talentos.

E como negar a atualidade profética desse enredo?

Em 1957, Rand imaginou um país em que cada nova ideia era engessada por decretos e licenças.

Em 2025, isso não é mais ficção.

Vivemos em uma era em que toda faísca de inovação é recebida com comissões, taxas, carimbos e autorizações.

O Estado, que deveria garantir a liberdade, tornou-se o principal obstáculo à criatividade.

Quando Rand escreveu:

Quando perceber que para produzir precisa da permissão de quem nada produz, saberá que sua sociedade está condenada, ela descrevia o futuro em que já vivemos.

Segundo o Banco Mundial, abrir uma empresa no Brasil ainda exige, em média, 17 dias e 11 procedimentos — contra apenas três dias nos Estados Unidos e um em Cingapura.

Não é de surpreender que, entre 2014 e 2024, o número de brasileiros qualificados que emigraram tenha crescido mais de 160%.

A fuga dos cérebros é a nova revolta de Atlas:
os que sustentam o país estão, silenciosamente, deixando-o cair.

Os números não mentem

. Relatórios do Fórum Econômico Mundial mostram que as nações com maior liberdade econômica concentram cerca de 80% das patentes e startups do planeta.

A equação é simples: onde há menos interferência, há mais criação; onde há mais controle, há mais estagnação.

O Atlas moderno não carrega mais o firmamento dos deuses, mas pilhas de impostos, legislações contraditórias, burocracias sem sentido e uma carga moral que o faz sentir culpa por sua competência.

Ele sustenta não apenas o peso da produção, mas o da crítica constante — é acusado de ganância por trabalhar, de egoísmo por vencer, de insensibilidade por criar riqueza.

E, tal como o titã da lenda, começa a se curvar, não por fraqueza, mas por exaustão.

A história comprova o ciclo que Rand denunciou.

Cada época de esplendor humano nasceu da liberdade:

  • o Renascimento floresceu quando as mentes se libertaram da tutela teocrática;
  • a Revolução Industrial não foi uma criação de comitês, mas de sonhadores em oficinas;
  • o Vale do Silício não é produto de ministérios, mas de indivíduos ousados o bastante para desobedecer o comum.

Sempre que o homem é livre para criar, o mundo sobe.

Sempre que o Estado tenta controlar a chama, o fogo apaga.

E quando o último Atlas decidir descansar, talvez ouçamos o ruído do colapso — não como castigo, mas como consequência natural de um mundo que despreza os que o sustentam.

No fundo, A Revolta de Atlas não é uma história sobre fuga, mas sobre despertar.

É o chamado de John Galt ecoando entre nós: até quando os criadores continuarão servindo aos que os condenam?

Até quando o talento será punido pela virtude falsa do igualitarismo? A revolta de Atlas é o momento em que o indivíduo compreende que não há moral no sacrifício involuntário, nem progresso na coerção. É a tomada de consciência de que o mundo não é sustentado por decretos, mas por mentes livres.

Atlas não precisa mais ser um titã mitológico.

Atlas somos nós — cada um que carrega nos ombros o peso de manter de pé um sistema que o despreza.

E talvez tenha chegado o tempo de endireitar as costas, não para derrubar o mundo, mas para libertá-lo.

 

RESPONSABILIDADE PELO CONTEÚDO

As idéias e opiniões expressas em cada matéria publicada nas colunas ou no conteudo de política, são de exclusiva responsabilidade do JORNALISTA, não refletindo, nescessariamente, as opiniões do editor e do Portal 7Minutos.

Cada opinião tem a responsabilidade jurídica por suas matérias assinadas.

O 7MINUTOS se responsabiliza apenas pelas matérias assinadas por ele.

Por: Rodrigo Schirmer Magalhães
Cientista político e Analista de Politica

 

Junte-se aos grupos de WhatsApp do Portal 7MINUTOS e fique por dentro das principais notícias de ANÁPOLIS, do BRASIL e do MUNDO siga aqui.

Siga o ‘ 7Minutos’ nas redes sociais

X (ex-Twitter)
Instagram
Facebook
Telegram
Truth Social 

  • Fonte da informação:
  • Leia na fonte original da informação
  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

    Artigos relacionados

    Verifique também
    Fechar
    Botão Voltar ao topo