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Ortega não escreve para agradar,

O Homem-Massa e os Náufragos de Hoje

Em meio às tormentas do século XX, José Ortega y Gasset lançou A Rebelião das Massas como quem estende uma bússola ao viajante desorientado.

Publicada em 1930, sua obra surge como um grito de alerta para uma sociedade em mutação, um diagnóstico quase profético do homem moderno e suas circunstâncias.

Ortega não escreve para agradar, mas para revelar, com clareza e precisão cirúrgica, as angústias de um tempo em que os valores individuais e coletivos se esfacelam como areia nas mãos.

A figura central do livro é o “homem-massa”, expressão que Ortega usa não para descrever uma classe social específica, mas uma mentalidade.

O homem-massa é aquele que, em meio ao tumulto do progresso, perde o eixo de si mesmo: “carente de um centro, carente de um dentro”.

Vive uma existência vazia, sem introspecção ou identidade, entregue ao automatismo das multidões e ao conforto das convenções.

Ele está em todos os lugares, escondido sob o manto do conformismo e da mediocridade. É um náufrago que, embora cercado pela abundância tecnológica e cultural, não sabe nadar em suas próprias águas.

Ortega vê nesse fenômeno uma ameaça para a civilização: a ascensão de uma massa desprovida de autocrítica e compromisso consigo mesma.

Para ele, o homem-massa abdica de suas responsabilidades perante o mundo e, sobretudo, diante das circunstâncias que o moldam.

É aqui que o autor introduz uma de suas frases mais memoráveis:

“Eu sou eu e minhas circunstâncias, e se não salvo a elas, não salvo a mim”.

Ortega enfatiza que o indivíduo só pode existir plenamente se compreender e enfrentar a realidade ao seu redor.

Não basta existir; é preciso ser.

Não basta estar no mundo; é necessário transformá-lo em algo significativo.

Ao falar das “circunstâncias”, Ortega nos lembra que o indivíduo é um náufrago inevitável em sua própria existência.

Estamos sempre à deriva, buscando um sentido em meio ao caos.

E essa busca, para ser autêntica, exige esforço e coragem.

Fugir desse chamado significa diluir-se na multidão, deixar-se levar pela correnteza do mundo sem questionar a direção.

Se olharmos com atenção, percebemos que A Rebelião das Massas não pertence apenas ao século XX, mas ressoa de forma assustadora na contemporaneidade.

Hoje, o homem-massa encontra novas formas de se manifestar.

Em uma sociedade hiperconectada, ele se esconde atrás de telas e algoritmos, diluindo sua identidade em avatares e discursos vazios.

Perdemos o “centro” de nós mesmos ao delegar nossa visão de mundo ao coletivo, ao senso comum das redes, às vozes que gritam mais alto.

Em um tempo em que a individualidade é confundida com egoísmo e a reflexão cede lugar à instantaneidade, a obra de Ortega y Gasset se faz mais atual do que nunca.

Vivemos entre náufragos, em um oceano de informações e possibilidades.

Mas será que conseguimos salvar nossas circunstâncias?

Será que conseguimos nos salvar?

Ortega, com sua clareza quase incômoda, nos convida a um mergulho interno, à busca por um centro, por um “dentro” que nos devolva a autonomia perdida.

Em uma era que nos desafia a todo instante, talvez seu alerta seja a mais urgente das lições: o homem que se contenta em ser massa não apenas destrói a si mesmo, mas arrasta consigo o mundo em que habita.

Ortega nos legou um espelho.

Cabe a nós decidir se, ao olhar para ele, veremos apenas o vazio da multidão ou a possibilidade de sermos – verdadeiramente – indivíduos que salvam a si e suas circunstâncias.

Por: Rodrigo Schirmer Magalhães
Cientista político e Analista de política.

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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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