decisões: afrontam a Constituição
Por que Ninguém Impede Moraes? O Poder Acima da Lei
A pergunta que muitos fazem, mas poucos respondem com honestidade intelectual, é simples: por que Alexandre de Moraes faz o que faz sem que ninguém o impeça?
Por que decisões que afrontam frontalmente a Constituição, o devido processo legal, a liberdade de expressão e a separação de poderes não encontram resistência efetiva?
A resposta não está em teorias conspiratórias, nem na genialidade jurídica de um ministro, tampouco em um suposto “vácuo legal”.
A resposta está no lugar onde o poder sempre residiu: nos meios de ação concretos.
Leis e constituições não se sustentam sozinhas.
Elas não têm vontade própria, não se aplicam automaticamente, não se defendem.
São, como dizia Hobbes, palavras escritas que só valem quando há força suficiente para garanti-las.
Sem essa força, tornam-se apenas um acordo frágil entre elites políticas e institucionais — acordo esse que pode ser rompido a qualquer momento quando um dos lados percebe que controla os instrumentos reais do poder.
O caso brasileiro contemporâneo escancara essa realidade.
Moraes não age acima da lei porque a lei permite; ele age assim porque ninguém com poder real o confronta.
O Congresso, que constitucionalmente deveria exercer controle, está paralisado por conveniência, medo ou chantagem política.
O Ministério Público atua seletivamente.
A imprensa tradicional legitima os atos sob o rótulo de “defesa da democracia”.
As universidades produzem o verniz teórico que justifica o arbítrio.
O mercado financeiro, sempre sensível ao humor do poder, prefere estabilidade institucional aparente a princípios abstratos. As forças coercitivas permanecem institucionalmente submissas.
O resultado é simples: todos os meios que poderiam conter o abuso estão cooptados, neutralizados ou alinhados.
Carl Schmitt explicou isso com precisão cirúrgica: soberano é quem decide sobre o estado de exceção.
Quando um agente do Estado decide quem pode falar, quem pode ser investigado, quem pode ter bens bloqueados, quem pode ser preso preventivamente e quais garantias podem ser suspensas — e faz isso sem reação efetiva — o poder real já mudou de lugar. A Constituição permanece em vigor apenas como retórica.
Montesquieu acreditava que a separação de poderes impediria a tirania.
Norberto Bobbio via o Estado de Direito um arranjo racional de contenção do poder.
Ambos partiam de uma premissa que hoje se mostra ilusória: a independência formal dos poderes não garante sua independência real.
Quando todos orbitam o mesmo centro decisório, a separação existe apenas no papel. O texto constitucional continua sendo citado — justamente para legitimar sua própria violação.
Maquiavel jamais se deixou enganar por esse tipo de ilusão.
Para ele, o poder se mantém não pela retidão moral, mas pela capacidade de controlar as circunstâncias.
Sun Tzu ensinava que vence quem domina o terreno, a informação, o tempo e os recursos.
Em ambos, o ponto central é o mesmo: quem controla os meios de ação controla a realidade, independentemente do discurso jurídico ou moral que a acompanhe.
É exatamente nesse ponto que a famosa frase de José Dirceu se torna reveladora, talvez mais do que ele próprio gostaria de admitir:
Tomar o poder é diferente de ganhar uma eleição.
A afirmação sintetiza, com brutal honestidade, a lógica do poder real. Eleições concedem cargos, não garantem domínio.
O cargo é apenas um meio muitas vezes secundário — dentro de uma engrenagem muito mais ampla.
No Brasil, isso explica por que presidentes eleitos frequentemente governam menos do que ministros não eleitos; por que mandatos populares sucumbem a estruturas permanentes; e por que a alternância eleitoral convive tranquilamente com a continuidade do poder real.
Quem vence eleições sem controlar os meios de ação apenas administra limites previamente definidos.
Esses meios não se limitam à força física.
Eles estão distribuídos por toda a estrutura social.
Estão no Judiciário, que interpreta a lei conforme a conveniência do momento.
Estão nas forças de segurança, que escolhem quando agir e quando se omitir.
Estão nas universidades, que definem o que é pensamento aceitável.
Estão na mídia, que molda a percepção pública do que é legítimo ou criminoso.
Estão na classe artística e na produção cultural, que constroem símbolos, heróis e vilões.
Estão no mercado financeiro, que premia ou pune governos.
Estão nas religiões, ONGs e movimentos sociais, que organizam ou desorganizam a base da sociedade.
Estão, por fim, na política institucional, que muitas vezes atua apenas como cenário.
Quando todos esses vetores convergem, o poder se consolida de forma quase invisível.
Hannah Arendt observou que os regimes totalitários não se impõem apenas pela violência aberta, mas pela destruição gradual das resistências intermediárias, até que o indivíduo se veja isolado diante de uma máquina impessoal.
Byung-Chul Han mostra como, no mundo contemporâneo, esse controle é ainda mais sofisticado: não se reprime diretamente, produz-se consenso, desmoraliza-se o dissenso e patologiza-se o adversário.
Foi assim no stalinismo, quando o Partido capturou o Estado, esvaziou o Judiciário, subordinou o Exército e transformou a cultura em propaganda.
Foi assim no nazismo, quando a legalidade foi moldada progressivamente à vontade do Führer, sempre com aparência de normalidade institucional.
Foi assim no fascismo, quando Estado, mercado e sociedade foram integrados sob uma única lógica de comando.
As ideologias eram diferentes, mas a estrutura era a mesma: controle dos meios de ação antes de qualquer ruptura formal.
O Brasil não foge a esse padrão estrutural.
O discurso da “defesa da democracia” cumpre hoje a mesma função que outras ideologias cumpriram no passado: justificar a concentração de poder e silenciar resistências, enquanto se preserva uma fachada institucional.
A retórica substitui o debate, a exceção vira regra e o arbítrio se normaliza.
Cícero já advertia que quem domina a linguagem domina a política.
Olavo de Carvalho insistiu, por décadas, que a luta pelo poder começa no plano cultural, muito antes das eleições.
Quem define os termos do debate define os limites do possível.
Quando certas palavras são proibidas, certos temas interditados e certos grupos demonizados, o jogo já está decidido.
No fim, o poder é sempre pragmático.
Ele não se importa com coerência jurídica, com princípios abstratos ou com indignação moral.
Ele opera com fatos consumados, com controle institucional e com domínio narrativo.
A lei só limita o poder quando há força organizada suficiente para fazê-lo respeitá-la.
Sem isso, a Constituição vira peça de museu e o discurso democrático, um instrumento de dominação.
A pergunta correta, portanto, não é por que Moraes faz o que faz, mas por que ninguém pode impedi-lo.
Enquanto essa pergunta não for enfrentada com realismo político, qualquer apelo à legalidade continuará sendo apenas isso: um apelo impotente diante do poder real.
RESPONSABILIDADE PELO CONTEÚDO
As idéias e opiniões expressas em cada matéria publicada nas colunas ou no conteudo de política, são de exclusiva responsabilidade do JORNALISTA, não refletindo, nescessariamente, as opiniões do editor e do Portal 7Minutos.
Cada opinião tem a responsabilidade jurídica por suas matérias assinadas.
O 7MINUTOS se responsabiliza apenas pelas matérias assinadas por ele.
Por: Rodrigo Schirmer Magalhães
Cientista político e Analista de Politica
Siga o ‘ 7Minutos’ nas redes sociais
X (ex-Twitter)
Instagram
Facebook
Telegram
Truth Social



