Escrita pelos vencedores
Quem Escreve a História? A Construção da Verdade e a Manipulação do Passado
A história, frequentemente percebida como um relato factual dos acontecimentos do passado, está longe de ser uma descrição imparcial ou imutável.

Pelo contrário, ela é moldada por narrativas influenciadas pelo poder, pela cultura, pela mídia e pelos interesses políticos.
Embora exista o ditado “a história é escrita pelos vencedores”, é igualmente verdadeiro que, muitas vezes, aqueles que moldam a narrativa não são necessariamente os que venceram no campo de batalha, mas os que possuem os meios para contar – ou fabricar – a versão mais convincente dos fatos.
O Poder da Narrativa
Narrativas históricas não surgem no vácuo. Elas são moldadas pelos valores e interesses de quem as escreve ou dissemina.
Movimentos políticos e ideológicos frequentemente se apropriam da história para justificar ações.
O nazismo, por exemplo, distorceu a história da Europa para criar uma narrativa de supremacia racial e um senso de destino histórico para a Alemanha.
Por meio de propaganda e manipulação cultural, fabricou-se uma “verdade” que legitimava o horror do regime.
Da mesma forma, narrativas conflitantes surgem em períodos de instabilidade, como guerras e revoluções, onde ambos os lados moldam os acontecimentos de acordo com suas agendas, criando verdades parciais e distorcidas.
A Influência da Mídia na Construção da História
A mídia desempenha um papel crucial na formação das narrativas históricas contemporâneas.
Notícias, reportagens e filmes não apenas relatam os fatos, mas frequentemente os interpretam, dando ênfase a alguns aspectos enquanto omitem outros.
Uma técnica amplamente utilizada pela mídia tradicional para moldar essas narrativas é o media framing (enquadramento noticioso).
Ao reportar um evento, os veículos de comunicação enquadram e classificam os envolvidos de maneira que influencie o julgamento do público.
Um exemplo recente foi o tratamento dado aos protestos e atos de vandalismo ocorridos em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.
Grande parte da mídia classificou previamente os participantes como “golpistas” e “terroristas”, um enquadramento que induziu reações psicológicas específicas na opinião pública, muitas vezes sem uma análise mais ampla sobre as motivações e circunstâncias envolvidas.
Esse tipo de abordagem não apenas informa, mas direciona o entendimento coletivo, favorecendo uma determinada interpretação dos fatos.
Durante a Guerra Fria, a mídia dos Estados Unidos e da União Soviética também utilizou o enquadramento para apresentar versões opostas dos mesmos acontecimentos.
Enquanto um lado exaltava a liberdade e a democracia, o outro defendia a igualdade e o progresso socialista.
Ambas as narrativas fabricavam “verdades” adequadas às suas ideologias, influenciando gerações a interpretar a história de forma polarizada.
O regime comunista soviético utilizava um aparato estatal massivo para distorcer a realidade e criar narrativas que reforçassem o poder do Partido Comunista.
A KGB desempenhava um papel central na manipulação de informações e na disseminação de desinformação, tanto internamente quanto no exterior, enquanto a RIA Novosti, agência de notícias estatal, produzia conteúdos que glorificavam o socialismo e demonizavam o Ocidente.
Exemplos notórios incluem cartazes exaltando Stalin como um “pai benevolente” do povo, apagando opositores das fotografias oficiais, e narrativas que atribuíram avanços tecnológicos exclusivamente ao sistema comunista.
Essas estratégias não apenas moldavam a percepção interna, mas também buscavam subverter democracias ocidentais, promovendo movimentos anti-imperialistas e infiltrando desinformação em mídias estrangeiras.
Já a propaganda americana foi fundamental para moldar o inconsciente coletivo e promover uma cultura de massa alinhada aos ideais de liberdade, capitalismo e democracia.
O cinema de Hollywood produziu filmes que exaltavam o “sonho americano” e demonizavam o comunismo, enquanto a música, especialmente o rock, transmitia mensagens de individualismo e rebeldia, contrastando com a rigidez dos regimes comunistas. Jornais e redes de televisão, como a CBS e a NBC, destacavam os triunfos do Ocidente e retratavam a União Soviética como uma ameaça constante à liberdade global.
Esse aparato cultural não apenas consolidou o apoio interno, mas também funcionou como uma ferramenta de soft power, influenciando populações em países neutros e aliados, ajudando a vencer a guerra ideológica.
No Brasil, a Ditadura Militar (1964-1985) ilustra bem como a mídia e a cultura moldaram percepções.
De um lado, veículos de comunicação alinhados ao regime perpetuavam a ideia de que o golpe militar foi uma “revolução” para salvar o país do comunismo, minimizando a repressão e a violência.
De outro, a produção cultural – incluindo músicas, livros, peças de teatro, filmes e intelectuais das universidades – alinhava-se majoritariamente aos movimentos revolucionários.
Essa produção ajudou a moldar o inconsciente coletivo da sociedade, associando o regime militar ao autoritarismo e à censura, mas ao mesmo tempo ocultando que grande parte dos revolucionários não lutava pela democracia, e sim pela implementação de uma revolução proletária, nos moldes do socialismo cubano ou soviético.
Ambos os lados, portanto, apresentavam versões distorcidas da realidade para legitimar suas ações. Enquanto o regime utilizava a censura e a propaganda oficial, os revolucionários romantizavam suas causas e omitiam aspectos autoritários de seus projetos políticos.
A disputa pela memória desse período segue viva, sendo um campo de batalha onde o passado é constantemente reinterpretado de acordo com os interesses do presente.
Cultura como Ferramenta de Manipulação
A cultura popular também exerce uma influência significativa na forma como a história é lembrada e reinterpretada.
Filmes, séries, livros e outras produções artísticas frequentemente romantizam eventos históricos ou criam heróis e vilões que simplificam narrativas complexas.
Por exemplo, durante os anos de regime militar no Brasil, artistas e intelectuais alinhados com a oposição produziram obras que destacavam a repressão e a censura, ajudando a construir uma imagem heroica dos movimentos de resistência.
No entanto, essa narrativa frequentemente omitiu as intenções revolucionárias que moviam muitos desses grupos, apresentando-os exclusivamente como defensores da democracia.
Essa simplificação da história, ao mesmo tempo em que denuncia abusos reais, apaga nuances importantes e perpetua um relato incompleto dos acontecimentos.
A Construção de “Verdades” para Fins de Dominação
A fabricação de uma verdade, ou de uma narrativa oficial, é uma ferramenta poderosa de controle.
George Orwell, em seu clássico 1984, descreve como o controle do passado é essencial para controlar o presente e o futuro.
Esse conceito não é mera ficção: regimes autoritários frequentemente reescrevem livros de história, censuram informações e promovem narrativas que consolidam seu poder.
Mesmo em democracias, a disputa por narrativas históricas pode ser intensa.
Discussões sobre períodos traumáticos, como ditaduras e revoluções, tornam-se campos de batalha ideológicos onde as verdades são constantemente manipuladas.
A Importância da Consciência Crítica
Diante disso, é essencial questionar as fontes e as intenções por trás das narrativas históricas.
A história nunca é neutra; ela reflete escolhas – o que incluir, o que omitir, como interpretar. Ter acesso a múltiplas perspectivas é fundamental para evitar a aceitação passiva de verdades fabricadas.
Por fim, é necessário lembrar que a verdade não possui lado e não se submete aos sentimentos ou preferências humanas.
Os fatos, em sua essência, são indiferentes às emoções ou interesses.
Cabe a nós buscar a verdade com coragem e honestidade, pois apenas ela, despojada de manipulações e interpretações enviesadas, tem o poder de iluminar o passado e guiar o futuro.
Rodrigo Schirmer Magalhães
Cientista político e analista de política
Porto Alegre 4/1/2025
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