Um grande reencontro
SALVAÇÃO DA BAHIA
Fiquem a saber que vim a Salvador para ver o meu amigo mulato e homossexual.
À saída do aeroporto, já na estrada, saltam à vista as árvores de bambu, dando as boas-vindas à selva de Salvador.
À medida que chegamos à cidade, multiplicam-se os cartazes do governo estadual, destacando o apoio aos cidadãos, nomeadamente aos empreendedores negros.
A avaliar pelas vistas, a coisa não terá surtido grande efeito.
A pobreza, senão mesmo a indigência, é gritante.
Nada de novo debaixo do sol de Salvador.
O socialismo nunca funcionou, exceto para o comité que come caviar enquanto ao povo não chegam nem as cascas.
Muito menos os ensinamentos para aprender a pescar pelas próprias mãos.
O pessoal continua na praia.
Como se, algures entre o areal e o mar, se pudesse encontrar o meio de pagar as contas.
Também não é segredo que a vida não é uma festa ou uma sesta.
Cultura dos trópicos? Ok, cancelem lá o colonizador.
A quem chegou uma certa raiva vinda de um par de olhos e ouvidos bahianos.
Nada que, devo dizer em seu abono, lhes seja natural, uma vez que os ditos se costumam destar pelos braços e semblantes abertos, numa palavra, alegria.
Aposto que se trata de uma porcaria fomentada pelas redes sociais e outros conteúdos made in USA.
Retirando-lhes o joie de vivre que o mundo inteiro deve-lhe invejar.
Enfim, e só para terminar, Salvador cimenta a minha certeza de que as agendas de empedramento das minorias apenas as ostracizam e alimentam com ódio.
Posto isto, e para surpresa de quem me conhece superficialmente, fiquem a saber que vim a Salvador para ver o meu amigo mulato e homossexual.
Camarada de longa data, talvez de duas décadas, dos velhos tempos em que vivi em Barcelona.
Do tempo em que vibrámos no momento e estávamos obrigatoriamente presentes por não termos plataformas para onde escapar.
Do tempo em que nos encontrávamos a descobrir-nos e aceitávamos as diferenças dos outros como acatávamos aquelas partes de nós que desconhecíamos trazer cá dentro.
O meu amigo é de uma sabedoria invulgar, uma pérola de extrencidade.
Sem ele eu não seria um terço de quem hoje sou.
Como saldar a dívida identitária a alguém que nos calibrou a consciência num tempo em que tomava divagar por orientação com sorte.
Cada episódio com o meu amigo foi uma autentica escola.
Em que ambos se comportávamos como crianças reguilas no recreio enquanto crescíamos espiritualmente.
A bagunça da Bahia calou-se no calor do nosso abraço, amigo Ueli.
A ti ergarei a próxima taça.
Seja ou não de cachaça, seja ou não na sempre nossa Catalunha.
Por: Vitor Vicente
Escritor português e vive na Irlanda. Publicou no Brasil os títulos “Israel, Jezebel”, “Bravo, Brasil”, “Sobre Vivências em Barcelona” e “À Beira do Danúbio”.
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