INOVAÇÃO
Entenda como funciona o implante que fez três paraplégicos voltarem a andar
Três voluntários recebem o implante de eletrodos na medula espinhal e conseguem ficar de pé logo após a cirurgia.

A tecnologia médica é baseada em inteligência artificial, o que permite definir os estímulos conforme o tipo de lesão de cada paciente
O uso de implantes elétricos
combinado com inteligência artificial
ajudou três pacientes paraplégicos a conseguirem voltar a andar em
apenas um dia. A façanha, detalhada na última edição da revista
especializada Nature Medicine, é resultado do trabalho de cientistas
da Suíça que, desde 2014, desenvolvem a tecnologia de recuperação de
movimentos.
Com o auxílio
dos dispositivos que restabeleceram a
“ponte” de comunicação entre o cérebro e a coluna, os voluntários
conseguiram nadar, pedalar e praticar canoagem. Isso depois de uma
operação que durou quatro horas.
Os três voluntários
perderam os movimentos dos membros inferiores após
sofrerem acidentes de moto. Na cirurgia experimental, eles receberam
18 implantes de eletrodos em toda a medula espinhal. Esses
dispositivos emitem sinais elétricos sincronizados, que simulam a ação
dos neurônios presentes ao longo da medula responsáveis por fazer o
cérebro ativar os músculos do tronco e das pernas.
Os eletrodos
são conectados a um tablete com um sistema de
inteligência artificial. Dessa forma, ao comando do paciente, o
computador aciona o tipo de atividade motora a ser realizada, como
dobrar o joelho. “Ao controlar esses implantes, podemos ativar a
medula espinhal como o cérebro faria naturalmente”, resume, em
comunicado, Grégoire Courtine, pesquisador da Escola Politécnica
Federal de Lausanne e um dos autores do estudo científico.
Em 2014,
a equipe havia testado o sistema eletrônico em ratos que
tiveram a medula removida. Dois anos depois, repetiram o experimento
com macacos. Em 2018, a técnica foi testada pela primeira vez em
humanos. À época, David Mzee, que havia ficado paraplégico aos 20
anos, conseguiu voltar a andar com a ajuda de um andador após receber
os implantes eletrônicos.
Os testes conduzidos
agora são mais sofisticados, segundo os
pesquisadores. Eletrodos e cabos que conectam os implantes ao sistema
computacional foram fabricados especificamente para esse experimento,
levando em consideração as características das lesões de cada
participante.
“Todos os avaliados foram capazes de ficar de pé, andar, pedalar,
nadar e controlar os movimentos do torso em apenas um dia depois que
os implantes foram ativados”, conta Courtine.“Isso se deu graças aos programas específicos de estimulação que
desenvolvemos para cada tipo de ação motora. Os pacientes podem
selecionar a atividade desejada no tablete, e os protocolos
correspondentes são recebidos pelo marcapasso localizado no abdômen”,
detalha.
Treinamento intenso
Todos os três voluntários conseguiram ficar em pé imediatamente após a
operação e deram os primeiros passos com o apoio de cabos fixados ao
teto. Depois de cinco meses de treinamento, recuperaram a massa
muscular e, com auxílio de um andador, realizaram atividades mais
longas, como sair de casa para se divertir.
“Quando utilizo o aparelho, me sinto melhor, mais forte e a dor
associada à cadeira de rodas desaparece”,
contou, em uma coletiva de imprensa, Michel Rocatti, um dos
participantes do estudo. O italiano perdeu os movimentos das pernas
quatro anos antes da cirurgia.
“Eu tenho passado por um treinamento bastante intenso nos últimos
meses e estabeleci uma série de objetivos. Por exemplo, agora, posso
subir e descer escadas, e espero poder caminhar um quilômetro nesta
primavera”, diz.
Amauri Araújo Godinho,
neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da
Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), avalia que o grande
diferencial do dispositivo é a aposta na inteligência artificial.
“O uso de eletrodos elétricos implantáveis já é bastante explorado na
área médica, como no tratamento da dor crônica. O grande diferencial
dos cientistas foi usar um algoritmo que consegue ativar movimentos
específicos, como levantar joelho e esticar a perna. Isso é algo que
ainda não havia sido feito”, afirma.
Godinho
também destaca que uma característica presente nos três
voluntários pode ter ajudado nos resultados obtidos.
“Temos diferentes tipos de lesão medular, algumas delas são totais, e
outras, parciais. Nessa segunda, ainda há esse fio condutor com um
resquício de atividade. Com certeza, os pesquisadores apostaram nesse
detalhe para conseguir ter as respostas que foram vistas”, diz.
Segundo o médico brasileiro,
o alto custo dos dispositivos usados pode
evitar uma popularização do uso em um curto espaço de tempo.
“Tudo que foi desenvolvido tem base nas características de cada
paciente, e isso é algo bastante complicado, uma tarefa que exige
custos altos, algo que os próprios pesquisadores destacaram como uma
dificuldade futura”, justifica.
“É claro que essa é uma grande conquista. Para um indivíduo que não
anda, conseguir sair de uma cadeira de rodas, poder sair de casa e não
precisar de auxílio para tarefas cotidianas é algo de extremo valor,
que pode mudar a vida dela.”
By: Vilhena Soares
Link original da matéria:
https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2022/02/4983392-entenda-como-funciona-o-implante-que-fez-tres-paraplegicos-voltarem-
a-andar.html?utm_source=onesignal&utm_medium=push