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O Irlandês. A máfia nua e crua, por Barbara Demerov, no NetFlix
É Martin Scorsese em total sintonia com a própria essência, o que resulta numa trama dominada por gângsters egocêntricos e gananciosos que, simultaneamente, são homens desprotegidos de si mesmos.

Diferente de Os Bons Companheiros, clássico de Martin Scorsese, O Irlandês adentra em uma abordagem mais específica do mundo da máfia, menos enérgica e mais carregada.
Aqui, o foco recai mais na melancolia que certas escolhas podem trazer do que propriamente na brutalidade de quem vive no meio gângster.
Melancólico, aliás, é um adjetivo que chega bem perto de definir este filme – se é que é possível defini-lo em apenas uma palavra.
Scorsese já conheceu o topo de de seu jogo com Os Bons Companheiros e Casino, mas retorna, aos 76 anos, ainda mais maduro do que se pode imaginar ao estimular um universo já bastante familiar em sua filmografia com um novo impulso: o de isolamento causado por uma vida dedicada a outras vidas, estas incapazes de preencher buracos cavados por um sacrifício que veio do livre-arbítrio.
Frank Sheeran (Robert de Niro), conhecido como “O Irlandês”, é quem toma as rédeas da narrativa, inicialmente dividida em três linhas temporais (duas delas se encontram posteriormente, formando uma só).
Antes um motorista e veterano de guerra que transportava carnes, entrando no contato da máfia após ser acusado por vender parte de sua carga a um gângster e não entregar ninguém no tribunal, Frank conhece uma nova realidade quando o chefe da família criminosa da Pensilvânia, Russell Bufalino (Joe Pesci, excelente), o transforma em seu próprio hitman.
Com o protagonista atuando em diferentes missões ao longo das décadas, O Irlandês segue perfeitamente a cartilha Scorsese, cujas características sempre se fazem presentes em seus dramas: a narração em primeira pessoa falada diretamente ao espectador, o humor peculiar dosado com a tensão explícita em diálogos, a direção que faz a câmera ir e vir, percorrendo lentamente cada ambiente para que o espectador capte os detalhes, e a vibração que o trio principal (formado por De Niro, Pesci e Al Pacino como Jimmy Hoffa) emana graças ao desenvolvimento minucioso do roteiro de Steven Zaillian.
As 3h30 de duração, novo recorde de Scorsese, não são apenas bem distribuídas pela montagem de Thelma Schoonmaker como ajudam a delinear cada etapa da jornada criminal e pessoal de Sheeran. É como se observássemos realmente uma vida inteira através das décadas, sem ser preciso um indicativo de qual ano os personagens estão.
A entrada na máfia já como adulto (cujo CGI ajudou no rejuvenescimento de De Niro), o seguimento de caminhos condenáveis, a ausência como pai e marido, assim como o eventual declínio, formam a base de tudo, fazendo com que a inclusão de outras peças essenciais (como Bufalino e Hoffa, presidente do sindicato) seja natural e também a extensão do protagonista.
Acompanhar tudo isso num tom que preza a crueza da profissão de Frank e não o fluxo de quem vive uma vida inconstante é acompanhar uma crescente de sensações difíceis de definir, pois é na jornada que se encontra o propósito de Scorsese enquanto contador de histórias.
Somente próximo ao desfecho é que a narrativa toma uma dimensão íntima e pessoal, com o protagonista alcançando um fio de humanidade tão devastador quanto adequado à sua postura.
Mas até chegar a este fio, todos os lados da mesma história são bem equilibrados por Scorsese. Por mais que Joe Pesci e Al Pacino dividindo a cena com De Niro nos deem a chance de ver o mais alto nível em técnica, o diretor aproveita, também, a dose emocional contida no simples e raro fato de os três estarem juntos no mesmo filme.
Diante de tamanho conforto e troca, é como se aqueles personagens já se conhecessem de outras realidades e épocas. Entre diálogos que vão de negócios a família, dores pessoais a dinheiro, a tensão é construída na mesma medida que a confiança nasce; e transitar entre estes dois contrastes é um processo pungente e realístico.
Pela primeira vez, Scorsese mostra o outro lado da moeda do que realmente é ser um gângster sem a presença de uma trilha-sonora mais animada ou piadas na maior parte do tempo.
Aqui, é a já citada melancolia que se faz sempre presente, inclusive na fotografia dominada por cores frias e nos olhares cansados do trio principal.
Apesar das breves, mas ótimas cenas em que são inseridos tiros, explosões e diálogos que antecedem medidas drásticas e violentas, O Irlandês alimenta este clima gângster com o silêncio – desde os momentos em que tarefas difíceis terão de ser feitas até chegar à família de Frank.
Quando o personagem pergunta a uma de suas filhas o que ele pode fazer pela família após tantos anos de afastamento, o que ele recebe é o silêncio. Tal quietação é demonstrada pela procura de Frank por uma morte tranquila e segura, além de ser incorporada, também, pela personagem de Anna Paquin, filha e talvez a única mulher da vida de Frank que enxerga desde criança quem o pai e seus companheiros são de verdade.
Apesar de ela possuir literalmente uma fala, sua presença diz muito – e é em seu silêncio que reside a porção intimista da história, o maior trunfo que Scorsese projeta diretamente no protagonista no último ato.
A verdade é que O Irlandês é muitos filmes em um só.
É a condensação de uma vida que sobreviveu à guerra e, quando teve a chance de construir laços essenciais, os negligencia; assim como é um retrato cru e irreverente sobre amizade, promessas e a importância de dar a palavra a uma causa que não é apenas sua.
É Martin Scorsese em total sintonia com a própria essência, o que resulta numa trama dominada por gângsters egocêntricos e gananciosos que, simultaneamente, são homens desprotegidos de si mesmos.
O momento em que parte do elenco encontra a fragilidade é quando o diretor manifesta fragmentos da solidão e velhice em colisão com memórias do passado. Uma porta entreaberta se encaixa na metáfora de que, finalmente, é a hora de alguém entrar neste universo banhado de sangue e dor.
Resta saber se alguém estará lá para abri-la por completo.
Atualização Super Abril
Cultura
O Irlandês: 5 coisas que você precisa saber antes de ver o filme
O longa de Robert De Niro, Al Pacino e Martin Scorsese chegou à Netflix. Conheça a história que inspirou o filme e os detalhes da sua produção.
O Irlandês, dirigido por Martin Scorsese e com Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci e Harvey Keitel no elenco, estreou hoje (dia 27) no Netflix.
O filme tem gerado grande expectativa, tanto pelo elenco quanto pela polêmica envolvendo Scorsese, que recentemente afirmou que filmes de superheróis “não são cinema”.
Forte concorrente para o Oscar e o Globo de Ouro, O Irlandês é um projeto antigo do diretor de Taxi Driver e Os Bons Companheiros: Scorsese anunciou o longa em 2014, mas já revelou que ele estava em seus planos há pelo menos uma década.
Veja os trailers abaixo – e confira cinco coisas que você precisa saber antes de ligar a TV e começar a ver o filme.
1 – A história do longa é baseada em fatos reais…
O filme de gângster (uma especialidade do diretor) é inspirado no livro I Heard You Paint Houses, de Charles Brandt, que narra a história real de Frank “O Irlandês” Sheeran (De Niro), veterano da 2ª Guerra Mundial acusado de envolvimento com a máfia.
A história abordará um dos crimes mais emblemáticos dos EUA: o desaparecimento do líder sindical Jimmy Hoffa (Pacino). A intenção de Scorsese é retratar três décadas de relacionamento entre ele e Frank, acusado de ter se envolvido com o assassinato de Hoffa.
A história de Hoffa é bem conhecida na terra do Tio Sam – o crime, até hoje, não foi elucidado. Hoffa virou sindicalista em 1930 e, algumas décadas depois, tornou-se a mais importante figura do movimento por lá.
Com o apoio dos trabalhadores, Hoffa se tornou uma figura influente, mas mantinha relações complicadas com a máfia.
Tudo culmina com sua morte em 1975, e o fato de que ninguém conseguiu encontrar o lugar onde seu corpo foi enterrado só ajuda a aumentar o imaginário popular em torno do caso.
…mas não é o primeiro a abordá-los
A história de Hoffa, vale mencionar, já rendeu um filme em 1992.
O ator Jack Nicholson estrelou Hoffa como o líder sindicalista que, olha só, nasceu no Brasil – ou quase isso. Ele nasceu em 1913 em Brazil, uma pequena cidade em Indiana, estado dos EUA.
2 – É o filme mais longo de Martin Scorsese
3 horas e 30 minutos.
Pois é. O Irlandês supera com folga outros longas de grande duração da carreira do diretor: Gangues de Nova York (2h 48min), O Lobo de Wall Street (3h), Cassino (2h58min) e A Última Tentação de Cristo (2h44min).
Caso você queira comparar com o restante dos filmes de Scorsese, o Google dá a resposta.
Com a estreia mundial do filme, as tais três horas e meia viralizaram no Twitter, e o que começou com uma piada logo virou uma discussão cinéfila, sobre até que ponto é o.k. pausar o filme quando necessário.
https://twitter.com/frommthesea/status/1199463765147889664?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1199463765147889664&ref_url=https%3A%2F%2Fsuper.abril.com.br%2Fcultura%2Fo-irlandes-5-coisas-que-voce-precisa-saber-antes-de-ver-o-filme%2F
3 – E o mais caro também
US$ 175 milhões foi o orçamento do filme.
O valor inicial era menor, US$ 125 milhões, mas a conta inflou durante a produção.
A quantia não só supera os filmes anteriores de Scorsese, mas ultrapassa também blockbusters de ação e aventura, como Homem-Aranha: Longe de Casa (US$ 160 milhões) e Godzilla 2: Rei dos Monstros (US$ 170 milhões).
É o mesmo valor que o diretor Steven Spielberg usou para fazer Jogador Número 1, em 2017.
“Mas por que foi necessário gastar tanto dinheiro? Além do elenco estrelado, o ambicioso projeto de Scorsese usa a técnica de rejuvenescimento facial em De Niro e cia. para que os atores principais fiquem mais jovens digitalmente para retratar as quatro décadas de história.”
O método, conhecido na indústria de efeitos visuais como de-aging, foi elogiado pela riqueza de detalhes – e pela sutileza também.
A Netflix costuma exibir seus filmes em 4K, resolução que é o quádruplo da comum e, mesmo assim, a “maquiagem” digital não ficou com cara de artificial.
Para isso, Scorsese contou com o trabalho da Industrial Light&Magic, empresa de efeitos especiais fundada nos anos 1970 por George Lucas, criador de Star Wars.
4 – É a primeira vez que o quarteto Scorsese/De Niro/Pacino/Pesci trabalha junto
Pode parecer estranho, mas mesmo com décadas de experiência nas costas, é a primeira vez que todos os quatro trabalham juntos.
É a primeira vez, também, que Al Pacino foi dirigido por Scorsese. No caso de Joe Pesci, foi preciso insistir dezenas de vezes para que ele largasse a aposentadoria e se juntasse ao elenco.
Mas isso não quer dizer que, ao longo da carreira, eles não tenham feito parcerias entre si. Neste infográfico, a SUPER destrinchou todas elas: O Irlandês será o nono filme de Scorsese ao lado de Robert De Niro, que não atua em obras do diretor desde Cassino, de 1995.
De acordo com o ator, o longa da Netflix é uma espécie de “acerto de contas” entre eles.
5 – Calma. Várias pessoas já viram antes de você
Apesar da estreia mundial pela internet, é provável que você conheça alguém que tenha visto O Irlandês em uma sala de cinema.
Acontece que isso é um requisito para concorrer ao Oscar.
Segundo as regras da Academia, para ser elegível à premiação, o filme precisa permanecer em cartaz por algumas semanas em cidades pré-determinadas.
No fim das contas, o filme estreou nos EUA em oito salas, em Nova York e Los Angeles, além de mais algumas salas independentes pelo país, provocando uma briga com as grandes redes de cinema, que esperavam faturar com a atração.
No Brasil, o longa estreou em 19 salas no dia 14 de novembro.
Link original da Atualização:
https://super.abril.com.br/cultura/o-irlandes-5-coisas-que-voce-precisa-saber-antes-de-ver-o-filme/
Mais detalhes no Netflix
Gêneros:
Filmes baseados em livros, Dramas, Dramas policiais, Filmes sobre máfia
Este filme é… Realistas
Idioma
German, German, English – Audio Description, English [Original], English – Audio Description, English [Original], French, French, Italian, Italian, Brazilian Portuguese, Brazilian Portuguese
Legendas
German, English, English, French, Italian, Brazilian Portuguese
Elenco
- Robert De Niro
- Al Pacino
- Joe Pesci
- Harvey Keitel
- Ray Romano
- Bobby Cannavale
- Anna Paquin
- Stephen Graham
- Stephanie Kurtzuba
- Kathrine Narducci
- Welker White
- Jesse Plemons
- Jack Huston
- Domenick Lombardozzi
- Louis Cancelmi
- Paul Herman
- Gary Basaraba
- Marin Ireland
- Sebastian Maniscalco
- Steven Van Zandt





