Os inconfiáveis e decepcionados
Ex-aliados radicais acusam Bolsonaro de ter abandonado pautas ideológicas
Integrantes da direita mais extremista passam de apoiadores a críticos de Bolsonaro, acusando-o de ter abandonado as pautas ideológicas pela aliança com o Centrão, mas não têm uma nova liderança a seguir e correm o risco de cair no limbo
Decepcionados com a aliança entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o Centrão, aliados de primeira hora do chefe do Executivo têm expressado um sentimento de abandono, ao mesmo tempo em que ameaçam fazer barulho nas próximas eleições, como indicam críticas recentes de ex-ministros ao governo.
A dificuldade, porém, é que, sem uma nova liderança a
seguir, esses personagens correm o risco de cair numa espécie de limbo
político, deslocados, inclusive, dentro do próprio campo conservador.
Uma das marcas principais do atual governo é a frequência com que
ministros e outros colaboradores deixam seus cargos e se tornam
críticos ou desafetos de Bolsonaro, em razão das escolhas do
presidente. A crescente influência do Centrão nas decisões do Planalto
afastou representantes da chamada ala ideológica, do bolsonarismo raiz,
que ajudaram a eleger, há quatro anos, o candidato que prometia acabar
com a velha política.
Bolsonaro assumiu publicamente o toma lá, dá cá e outras práticas que
dizia condenar para sobreviver politicamente, em meio a investigações
incômodas, a uma avalanche de pedidos de impeachment e à perda de
popularidade. Desde então, o espaço do Centrão no governo tem se
ampliado. Depois de assumir o controle do Orçamento, o grupo político
passou a influir, até mesmo, na formação dos palanques que o presidente
ocupará nos estados durante a campanha à reeleição.
Por essa razão, o mais novo desafeto de Bolsonaro é o ex-ministro da
Educação Abraham Weintraub, que foi um dos expoentes da ala extremista
do governo. Ele tem se rebelado contra a opção do Planalto de defender
a candidatura do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, ao
governo de São Paulo. Há meses, o ex-ministro vem acalentando o projeto
de disputar o comando do Palácio dos Bandeirantes.
Na semana passada, durante uma live, Weintraub e os também ex-ministros
Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente)
criticaram a aliança de Bolsonaro com o Centrão. Eles afirmaram que o
presidente se afastou das pautas ideológicas pelas quais foi eleito e
substituiu a ala conservadora do governo por integrantes do bloco
político.
Araújo chamou o PP — partido do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira,
um dos caciques do Centrão — de “Partido de Pequim” e acusou o governo
de estar se submetendo aos interesses da China. O ex-chanceler, que
deixou a pasta em março do ano passado, disse que, por isso, não pôde
levar adiante seus planos para a política externa. “Quando o Centrão
começou a dominar o governo, fui cada vez mais isolado”, reclamou.
Candidatura
A despeito da irritação de Bolsonaro com as críticas dos ex-aliados,
Weintraub mantém o projeto de se candidatar ao governo paulista e tem
dado continuidade a uma caravana pelo interior do estado. A ideia é
fazer uma sondagem do apoio popular e destacar, junto aos eleitores,
duas coisas que o diferenciam de Tarcísio Freitas: nasceu em São Paulo
e não se relaciona com políticos do Centrão.
O problema é que os antigos aliados do chefe do Executivo perderam
protagonismo político para o Centrão e correm o risco de ficar sem
espaço nas eleições de outubro. Weintraub, Araújo e Salles têm se
apresentado como legítimos representantes da ideologia original do
presidente. Porém, Tarcísio Freitas e outros apoiadores do presidente
disputam o mesmo espaço.
Pesquisas recentes demonstram que o bolsonarismo vem perdendo força
entre a população. Por isso, é provável que não haja eleitores em
número suficiente para tantas facções dessa vertente. “O choque será
inevitável, pois não haverá espaço para todos. É um salve-se quem
puder”, projeta Danilo Morais, mestre em ciência política e professor
de pós-graduação do Ibmec-DF.
Sem alternativa
Apesar do processo de distanciamento de Bolsonaro, o eleitorado do
chefe do Executivo é o único com quem esses postulantes conseguiriam
dialogar. “Candidatos como Weintraub, nesse sentido, não terão muito o
que fazer além de se resignar, pois, caso entrem em confronto aberto
com sua maior liderança, sofrerão enorme rejeição desse eleitorado, o
único com quem ainda mantêm pontes”, avalia Morais. “Não há espaço para
candidatos tão radicais em outros arranjos partidários, senão no
próprio bolsonarismo.”
Além disso, esse eleitorado está na mira do ex-ministro Sergio Moro,
pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos e, também, um
ex-aliado de Bolsonaro. “O ex-juiz vai nessa direção, porque não tem
abertura na esquerda para avançar. É muito possível que ele também não
tenha espaço no centro, já que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva acena para essa via, com Geraldo Alckmin (ex-governador de São
Paulo, ainda sem partido)”, ressalta Fernando Meireles, pesquisador do
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Já as declarações de apoio a Bolsonaro vão depender de como estará a
popularidade do chefe do Executivo até outubro. “Muitos desses aliados
vão usar essa estratégia. Se estiverem disputando um cargo
proporcional, se isso trouxer um benefício, a chance é grande de
continuar ao lado do presidente”, diz Meireles.
Para Morais, Bolsonaro pouco ou nada perderá nesse ruído com ex-
aliados. “Sobretudo ao se considerar que os dissidentes de ocasião, num
cenário de segundo turno com Lula, deverão retornar quase que
automaticamente ao barco dele”, afirma.
Outra dificuldade para os bolsonaristas puro-sangue é encontrar outro
presidenciável com quem possam se aliar nas próximas eleições.
Dificilmente eles se aproximariam, por exemplo, de Moro, mesmo sendo
ele um nome da direita. Isso porque o pré-candidato ao Planalto tem
buscado acordos eleitorais com figuras como o governador de São Paulo,
João Doria (PSDB), também postulante ao Planalto; e o presidente do
PSL, Luciano Bivar (PE), desafetos do governo.
Outros ex-aliados de Bolsonaro também atacaram recentemente o
presidente. O escritor Olavo de Carvalho, por exemplo, considerado um
“guru” do bolsonarismo, disse, no fim do mês passado, que se sentiu
usado pelo chefe do Executivo. Segundo ele, o presidente o fez de
“poster boy” (garoto propaganda).
“Depois disso, até meus amigos que estavam no governo ele tirou”, reclamou.
Ele também afirmou não ver
chance de reeleição de Bolsonaro: “É uma briga perdida”.
A extremista Sara Winter revelou mágoa do presidente, principalmente pela falta de
apoio numa dívida de mais de R$ 3 milhões, referente à processos judiciais que acumulou por atos
ilegais pró-governo .
“Não tem mais como defender Bolsonaro”, frisou.
By: Jorge Vasconcellos & Taísa Medeiros
Link original da matéria:
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4979579-ex-aliados-radicais-acusam-bolsonaro-de-ter-abandonado-pautas-
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Weintraub com Bolsonaro: ex-ministro está magoado porque esperava o apoio do presidente à candidatura dele ao governo de São Paulo -(crédito: reprodução/Youtube)[/caption]



