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Denuncia: BBC II

O polêmico abate de jegues no Nordeste para produção de remédio na China

É como matar um cão : A Dependência econômica

A cidade de Amargosa, de 40 mil habitantes e conhecida por sua movimentada festa de São João, é o ponto final do jumento nordestino antes de ele ser abatido e exportado para virar remédio na China.

Ela fica em uma região conhecida como Vale do Jiquiriçá, um dos lugares mais bonitos do Brasil, com formações rochosas de 80 metros de altura espalhadas pelo cenário de caatinga.

Desde 2017, o município é o local onde mais se abate jegues no país.

Segundo o prefeito, Júlio Pinheiro (PT), o setor é o terceiro maior empregador de Amargosa, atrás só da própria prefeitura e de uma fábrica de sapatos. Para ele, o recente mercado é fundamental para a economia do município, gerando empregos, renda e impostos.

“O frigorífico têm ajudado na geração de renda e de empregos diretos, ainda mais num momento tão complicado da economia do país, sobretudo com a pandemia. O frigorífico tem sido a sustentação de centenas de famílias aqui na cidade”, diz Pinheiro, em seu gabinete.

Essa importância econômica foi o principal argumento da cidade ao entrar na Justiça para tentar liberar o abate, que havia sido suspenso após denúncias de maus-tratos, em 2018. Mas não apenas Amargosa procurou a Justiça. O governo estadual, do petista Rui Costa, e o federal, de Jair Bolsonaro (PL), fizeram o mesmo.

Quem decidiu o caso foi Kassio Nunes Marques,

hoje ministro do STF e à época, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Ele não entrou no mérito da ação civil-pública, que ainda corre na Justiça e pede a proibição dos abates. Em decisão de pouco mais de duas páginas, Nunes Marques concordou que a liminar da Justiça baiana que suspendeu o setor prejudicava a economia da Bahia.

“[A atividade] é legal e está amparada por normativos legais editados pelos órgãos competentes e a interrupção abrupta da referida atividade industrial é passível de causar não só as empresas criadas e dedicadas às atividades danos irreparáveis ou de difícil reparação, como aos municípios que hospedam os referidos abatedouros, como o próprio Estado da Bahia”, escreveu, liberando novamente o setor.

Em Amargosa,

o prefeito Júlio Pinheiro considerou a decisão justa, mas diz não conhecer bem os empresários responsáveis pelo abatedouro que funciona na cidade. “É um grupo chinês. Eles vieram aqui (na prefeitura) uma vez, mas não são pessoas conhecidas na cidade”, diz.

O CNPJ do Frinordeste

aponta um quadro societário com dois chineses, Ran Yang e Zhen Yongwei, ambos residentes no exterior, e o brasileiro Alex Franco Bastos. Funcionários da empresa, ouvidos sob condição de anonimato, relatam que raramente os proprietários chineses visitam o espaço, e que, no dia a dia, a atividade é comandada por Bastos.

A reportagem tentou entrevistá-lo diversas vezes, indo ao frigorífico, ligando e enviando mensagens pelo WhatsApp, mas nunca obteve retorno. Também enviou mensagem para Zhen Yongwei, mas ele não respondeu.

Já a JBS,

que arrendou o espaço para o trio de empresários há três anos, afirmou que “toda a operação da planta mencionada está sob responsabilidade da empresa” que arrendou a planta.

‘É como matar um cachorro’

Três vezes por semana, cerca de 400 jumentos chegam ao Frinordeste em caminhões fechados — 50 por veículo. Funcionários relatam que, diante do calor, de viagens de até 500 km e da condição física debilitada, animais chegam a desembarcar na empresa machucados ou até mortos.

Com pouca variação, a maioria dos 150 trabalhadores ganha por volta de R$ 1.300 por mês. Eles vivem em comunidades pobres perto do frigorífico, locais onde o fornecimento de água só é feito três vezes por semana e onde ainda é possível ver um ou outro jumentos tralhando em tarefas agrícolas.

Embora

dependam do serviço para sobreviver em um momento de alta do desemprego e em uma cidade sem muitas alternativas, os funcionários dizem ter dificuldade em lidar com a morte em massa de um animal que faz parte de seu cotidiano — desejam que o frigorífico mude o modelo de negócios para o abate de bovinos.

“Para mim é como matar um cachorro, um bicho de estimação. A gente cresce montando jegue, e agora tem que ver jegue morrendo sem parar. É muito jegue, amigo. Muito mesmo, tem semana que são 1,2 mil. Ninguém aguenta mais ver essa situação”, diz João (nome fictício), que trabalha no frigorífico e depende do salário para sustentar a família. Ele passou meses desempregado e, sem opção, aceitou um emprego. “Trabalho por que preciso, não por concordar. Mas, se fechar, como ficam as famílias aqui?”, diz.

Outro funcionário, José, também diz ter dificuldade em assistir todos os dias a tantos abates. “A gente nem sabe direito porque estão fazendo isso, o que vão fazer com eles… Muitos chegam aqui machucados, morrendo. É um animal que a gente vê desde pequeno, faz parte da nossa vida. É complicado participar disso, mas a precisão exige. Tenho filhos para criar, a situação está bem difícil”, afirma.

By: Leandro Machado e Felix Lima
Enviados da BBC News Brasil a Amargosa (BA)

Link original da matéria:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59572597.amp

FELIX LIMA
Legenda da foto,
O jumento brasileiro entrou na mira de empresários chineses para a produção de remédio sem comprovação científica

FELIX LIMA

Em Amargosa funciona o frigorífico com maior número de abates de jumentos no Brasil

[caption id="attachment_107855" align="alignnone" width="1024"] FELIX LIMA
Em Amargosa funciona o frigorífico com maior número de abates de jumentos no Brasil[/caption]
[caption id="attachment_107851" align="alignnone" width="1024"] O jumento brasileiro entrou na mira de empresários chineses para a produção de remédio sem comprovação científica. Felix Lima[/caption]
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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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