Denuncia: BBC IV Final
O polêmico abate de jegues no Nordeste para produção de remédio na China’:
'Símbolo para o cristão'

“Na Bíblia, Jesus monta um jumento quando ele entra em Jerusalém. É um animal tão importante que participou da vida de Jesus Cristo. ‘Símbolo para o cristão’
O CRMV-BA acredita que, sem uma cadeia produtiva, o ritmo dos abates e a demanda chinesa pelo ejiao podem praticamente dizimar a população de jumentos no Nordeste em poucos anos, diagnóstico compartilhado por entidades como o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos e a The Donkey Sanctuary.
Esse cenário foi registrado na própria China, segundo um estudo dos pesquisadores Richard Bennett e Simone Pfuderer, da Universidade de Reading, no Reino Unido.
Em 2000, o país tinha por volta de 9 milhões de cabeças — em 2016, o número caiu para 2 milhões. Em 2000, a produção anual de eijiao era de 1,2 tonelada — já em 2016, foram 5 toneladas. Estima-se que o país precise de 5 milhões de peles de jumento por ano, mas, desde 2017, o estoque interno não é mais capaz de suprir a demanda.
A solução de parte do empresariado chinês foi buscar animais em outros países, como o Quirguistão, que perdeu 57% de seu rebanho de jumentos desde 2017, segundo estudo da ONG The Donkey Sanctuary. Países como Mali, Gana e Etiópia recentemente proibiram o abate, embora ele ainda ocorra clandestinamente.
No Brasil, um estudo da USP aponta que criar um jumento para o abate custaria em média R$ 4 mil — a gestação de um filhote leva 13 meses. Por outro lado, um estudo da ONG britânica estima que, de todos os animais recolhidos no meio ambiente, 20% morrem antes de chegar aos frigoríficos.
Nas últimas décadas, a espécie perdeu a importância na agricultura sertaneja depois de ser trocada por motocicletas. Livres em estradas e na caatinga, os jegues se reproduziram sem política pública voltada para o controle ou questões sanitárias. Vagando por rodovias, eles também se envolveram em graves acidentes de carro.
No início da década passada, o poder público tentou fomentar o consumo de carne de jumento, como ocorre em alguns países, mas o projeto não decolou por uma questão cultural: a população se recusa a comer sua carne.
Para Gislane Brandão,
advogada e coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, o cenário no Nordeste escancara “uma grande omissão do poder público”. “Onde estão as barreiras sanitárias, a regulamentação transporte, a cadeia produtiva? Os jumentos estão sofrendo, morrendo, sumindo. E as autoridades estão se omitindo sobre a situação”, diz.
Por meio da Adab,
o governo da Bahia afirma que não é de responsabilidade da agência criar uma cadeia produtiva e que uma recente portaria dita que “fêmeas em terço final da gestação não serão consideradas aptas ao abate”, uma medida que, para agência, ajuda a renovação do rebanho. Na mesma norma, diz a Adab,
“fica estabelecido que animais abaixo de 90 kg também não podem ser encaminhados para abate.”
Já o Ministério da Agricultura
alega que é responsável pela fiscalização sanitária dos frigoríficos, mas que não está entre suas competências o “controle sobre o número de animais existentes ou criados, nem sobre riscos de extinção”. Informou, ainda, que a fiscalização de órgãos ligados a pasta “garante que os animais chegam (ao abatedouro) com saúde e sem sinais de maus-tratos durante o transporte.”
Em Amargosa, o prefeito Júlio Pinheiro conta que o grupo chinês prometeu criar uma cadeia produtiva do animal, além de “trazer novas espécies para a região”, o que ainda não aconteceu. Ele não acredita que o jumento possa ser dizimado.
“Essa avaliação é um equívoco. A última estimativa do IBGE fala em quase 1 milhão de animais, boa parte solta na caatinga e nas rodovias, colocando em risco a vida das pessoas, sem assistência zootécnica e veterinária que dê um bem-estar aos animais. A gente acredita que isso não vai acontecer com uma produção com abate controlado, com inspeção e normas”, diz.
Em uma praça da cidade, o professor Joelson Alcântara, ativista da causa animal em Amargosa, pensa diferente. Para ele, além da importância histórica para o sertanejo, o jumento também é um símbolo religioso para o cristão.
“Na Bíblia, Jesus monta um jumento quando ele entra em Jerusalém. É um animal tão importante que participou da vida de Jesus Cristo, e está sendo exterminado por uma questão financeira. Não tem explicação”, diz.
Na música Apologia ao Jumento (1976),
Luiz Gonzaga também cita Jesus quando canta que o jegue “é sagrado”:
“E na fuga para o Egito/ Quando o julgo anunciou/ O jeguin foi o transporte que levou nosso Senhor”.
E continua:
“O jumento é nosso irmão, quer queira quer não/ O jumento sempre foi o maior desenvolvimentista do sertão/ Ajudou o homem na lida diária/ ajudou o homem/ ajudou o Brasil a se desenvolver”.
By: Leandro Machado e Felix Lima
Enviados da BBC News Brasil a Amargosa (BA)
Link original da matéria:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59572597.amp



