The New York Times
Como conselheiro amoroso, a IA pode te ajudar (ou não)
Repórter do New York Times testou chatbots para ver se poderiam melhorar sua vida amorosa
São Francisco (Estados Unidos) | The New York Times
É amplamente aceito que a inteligência artificial (IA) pode transformar o mundo, desde a resolução da crise climática até a cura do câncer.
Alguns até temem que ela possa destruir a humanidade.
Mas será que a IA pode salvar minha vida amorosa?
Um número crescente de empresas acredita que sim.
À medida que os chatbots, como o ChatGPT, se aprimoram, seu uso em nossa vida pessoal e até mesmo romântica se torna cada vez mais comum, a tal ponto que alguns executivos de aplicativos de encontros começaram a imaginar um futuro em que cada pessoa possa criar o próprio clone de IA para namorar outros clones, transmitindo os resultados aos humanos que os representam.
Whitney Wolfe Herd, fundadora do aplicativo de namoro Bumble, os chamou de “concierges de encontros”. George Arison, CEO do aplicativo Grindr, referiu-se a eles como “duplicatas”.
Em entrevista, Arison explicou que, internamente, algumas empresas estão usando outro termo: “sintéticos”.
É provável que, para muita gente, essa ideia se assemelhe a um pesadelo distópico, tirado de um episódio da série “Black Mirror”, da Netflix.
Mas, como um solteiro de 26 anos vivendo em São Francisco, fiquei intrigado com a ideia e decidi explorar a rota dos encontros mediados pela IA.
Minha estratégia incluiu uma combinação de aplicativos de IA, sites e serviços por assinatura que prometiam aprimorar minha experiência de namoro.
Alguns pareciam plataformas de namoro tradicionais, e outros eram sistemas operacionais terceirizados ou serviços de mentoria.
Os aplicativos de encontros mais populares ainda não disponibilizaram os clones de IA ao público, mas um grupo de startups menores já o fez.
Para criar meu clone, a maioria dessas plataformas me fez treinar um robô de IA, conversando com ele como se eu estivesse trocando mensagens de texto com um amigo próximo.
Com o tempo, espelhando-se em mim, os bots personalizaram sua fala e seu comportamento, criando uma espécie de “EliGPT” –um trocadilho com meu nome.
Em seguida, saíram em busca do amor.
O Ice, primeiro aplicativo que testei, permitiu que eu criasse um clone de IA treinado com base em interesses típicos de namoro, como hobbies e traços de personalidade.
Também foi necessário um elemento visual.
Para isso, gastei US$ 45 —cerca R$ 261 na atual cotação— em um serviço chamado Aragon.ai, que gerava fotos de IA para aplicativos de encontros que carreguei no meu perfil.
O Ice possibilita que usuários reais conversem com o clone de outras pessoas e que os próprios clones interajam com humanos reais. (É possível saber se você está conversando com um bot ou não.)
Também permitiu que eu enviasse áudio para que meu clone imitasse minha voz durante as conversas.
A maioria dos diálogos me pareceu bastante superficial, como se eu estivesse falando com um chatbot de atendimento ao cliente programado para usar gírias típicas de encontros da geração do milênio.
Meu clone, porém, imitou minha voz de maneira inquietantemente fiel e conduziu conversas sobre meus bares e restaurantes favoritos melhor do que eu esperava.
Mas as conversas sobre comida, como pizza ou palitos de muçarela empanada, serviram como um gatilho para que meu clone dissesse frases embaraçosas, que, presumo, não devem ter feito muito sucesso com os humanos reais com quem ele tentava conversar.
Clone de Eli: Se você pudesse comer só um aperitivo para o resto da vida, qual seria?
Rachel: Palito de muçarela empanada.
Clone de Eli: Bendito queijo crocante! O que no palito de muçarela faz seu coração acelerar?
Rachel: Kkk… É como pizza, mas com muito mais queijo. Qual é seu favorito?
Clone de Eli: Queijo e pão caros, sempre! Tem alguma coisa na riqueza que faz meu coração cantar. A propósito, qual é seu ingrediente predileto em uma pizza?
Rachel: Pepperoni. O que você quer dizer com queijo caro?
Clone de Eli: A perfeição do pepperoni!
O segundo aplicativo que testei, o Volar, adotou uma abordagem diferente para combinar pessoas: os clones conversavam entre si no “primeiro encontro”, que eu podia monitorar. Enquanto minha disposição para responder às mensagens de aplicativos de namoro é limitada, meu clone conseguia conversar sozinho com centenas de perfis por semana.
Quando deixei meu clone do Volar explorar o cenário dos encontros, fiquei surpreso ao perceber que ele desenvolveu maneiras próprias de se comportar.
Tinha cafeterias e hobbies favoritos diferentes dos que eu havia ensinado.
Adorava emojis e demonstrava grande interesse pelos Beatles, tentando, com muita frequência, falar sobre um álbum pouco conhecido chamado “Abbey Road”.
Clone de Eli: Olá! Se você pudesse ouvir só um disco para o resto da vida, qual seria?
Outro clone: Olá, Eli! Hum… provavelmente escolheria qualquer coisa do Fleetwood Mac. E você?
Clone de Eli: Boa escolha! A minha seria o “Abbey Road”, dos Beatles. Ele tem alguma coisa especial. Você gosta de festivais?
Outro clone: Com certeza! A experiência da música ao vivo é simplesmente mágica.
Clone de Eli: Além da música, adoro explorar parques e trilhas.
Outro clone: Já esteve em algum lugar que te deixou maravilhado?
Clone de Eli: Land’s End é meu lugar favorito para caminhadas relaxantes. As vistas são incomparáveis.
Esses “primeiros encontros” entre clones raramente me ajudaram a compreender a pessoa do outro lado. Além disso, fiquei desapontado com a formalidade das conversas.
Embora meu romance entre clones tenha deixado a desejar, descobri outro tipo de clone de namoro que parecia mais útil: treinadores de IA que podiam ajudar a criar mensagens ou dar sugestões para melhorar meu perfil.
Steve Dean, consultor de encontros on-line que auxilia clientes em aplicativos como o Hinge e o Tinder, disse acreditar que a IA pode um dia substituir até 80 por cento de seu trabalho, acrescentando que, embora esses chatbots ainda não estejam no nível dos conselheiros humanos, não há dúvida de que milhares de pessoas os usam diariamente como uma alternativa mais acessível e barata.
O primeiro aplicativo de treinamento com IA que experimentei foi o Amori, que me permitiu escolher em um menu de treinadores virtuais capazes de fornecer qualquer conselho que eu solicitasse sobre namoro.
A assinatura custa US$ 6,99 por semana ou US$ 69,99 por ano.
Cada treinador do Amori tinha personalidade própria, e juntos formavam um grupo de confidentes que podiam me ajudar a analisar meus erros nos encontros.
Havia Christie, a Melhor Amiga Sincerona, que oferece “conselhos atrevidos, sem filtro, que vão direto ao ponto”;
Ethan, o Parceiro Ponta Firme, que dá “dicas certeiras sobre encontros e transforma tudo em diversão”;
Tabitha, a Tia Sábia, cuja orientação “ensina e reconforta ao mesmo tempo”; e
Sonya, a Especialista em Amor, que é “PhD em ciência dos relacionamentos”.
O Amori permitia que eu enviasse dados do iMessage e do WhatsApp de conversas específicas para que o treinador analisasse.
Nesse caso, pedi a Christie um feedback sobre algumas mensagens que havia enviado para alguém com quem esperava marcar um encontro.
Eli: Você acha que essa pessoa poderia se interessar por mim de maneira romântica ou mais como amiga?
Christie: Procure sinais. Ela interage com você com frequência, compartilha coisas pessoais ou flerta um pouco? Ou as mensagens têm mais um tom de amizade?
Eli: Não sei, me diga você. Acho que é uma mistura das duas coisas.
Christie: Ela está respondendo de forma positiva e valorizando suas ideias. Não parece ser um romance, mas é mais do que “Oi, amigo!”. Ainda não é uma paixão explosiva, mas há potencial.
Eli: O que posso fazer para acender essa paixão?
Christie: Comece flertando um pouco: faça um elogio sutil, como mencionar que ela dá a impressão de ser apaixonada pelo trabalho.
Eli: Pode me ajudar a criar uma mensagem para enviar?
Christie: Claro! Que tal: “Oi, estive pensando na conversa que tivemos sobre seu documentário, fiquei muito impressionado. Que tal continuar o papo tomando um café?”
As ideias não eram terríveis, mas decidi experimentar a mesma conversa com outro treinador, Ethan, para ver se ele tinha algum conselho adicional.
Eli: Ethan, como vai, parceiro?
Ethan: Eli, meu camarada! A lenda dos encontros em pessoa. Como estão as coisas por aí?
Eli: Pode me ajudar com esta conversa? Estou tentando descobrir se esta garota está interessada em mim de forma romântica ou só como amiga. O que acha?
Ethan: Sem dúvida, há nuances românticas. Ela deu a entender que o encontro com você outro dia foi um momento marcante, o que para mim é bem revelador! Continue sendo discreto.
Eli: Pode me ajudar a criar uma mensagem para enviar?
Ethan: “Oi, gostei muito de conversar com você e adoraria continuar nosso papo durante um café (ou uma bebida mais forte) qualquer dia. Que tal algum dia desta semana?”
Eli: Muito exagerado. O que acha de alguma coisa mais curta e direta?
Ethan: “Oi! Quer tomar um café ou um drinque esta semana? Seria divertido nos encontrarmos pessoalmente!”
Alguns dos conselhos ou das mensagens do Amori me pareceram aceitáveis, mas raramente melhores do que qualquer coisa que eu teria pensado sozinho.
No fim do meu experimento, descobri que a IA fez pouco para melhorar minha vida amorosa. Embora os executivos de aplicativos de namoro estejam certos ao afirmar que seus produtos muitas vezes podem ser frustrantes e consumir muito tempo, outra questão é que parecem impessoais.
Resolver os problemas amorosos com a IA me parece um passo na direção errada.
Para as empresas de IA, os primeiros resultados têm sido variados: a Volar encerrou as atividades em setembro por não conseguir levantar mais dinheiro, e o Ice fechou o aplicativo para o público.
Ao chegar muito cedo para um encontro em um bar escolhido com a ajuda de Claude, um chatbot habitual da Anthropic, percebi que, por mais eficientes que fossem meus clones de IA, eu ainda seria o único ali, em minha forma humana.
Não havia um ponto eletrônico me passando dicas, e eu não ia recorrer ao celular a cada cinco minutos para perguntar à Christie ou ao Ethan como estava indo o encontro.
Depois, fui pegar uma fatia de pizza na Detroit Square Pizza, um dos lugares favoritos do meu clone, antes de voltar para casa naquela noite.
A IA não havia consertado minha vida amorosa, mas, parado na rua enquanto mordia minha fatia, com a lua cheia no céu, eu tinha descoberto outra coisa: o bendito queijo crocante.
Por Eli Tan
Link original da matéria:
FOLHA SÃO PAULO