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Como os Estados Unidos se preparam para uma guerra com a China

Os soldados americanos preparam-se para um conflito travado entre ilhas asiáticas, com um inimigo que conta com a vantagem de jogar em casa

CAMPO DE TREINAMENTO DE POHAKULOA, Havaí — O artilheiro marine ajoelhou-se sobre o solo avermelhado de uma planície vulcânica a 914 metros de altitude. Posicionou o lançador de foguetes no ombro, colocou seu alvo na mira, um blindado enferrujado, a 365 metros de sua posição, e disparou.

Dois segundos depois, a explosão.

“Tiro perfeito”, disse o comandante de seu pelotão.

O artilheiro, o anspeçada Caden Ehrhardt, de 23 anos, é membro do 3.º Regimento Litorâneo do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, uma nova formação que reflete a mais recente concepção das Forças Armadas americanas para combater adversários como a China — a partir de remotas ilhas estratégicas do Pacífico Ocidental. Essas unidades são projetadas para ser menores, mais leves e mais móveis. E, argumentam seus comandantes, mais letais.

Após 20 anos de combates terrestres no Oriente Médio, os marines enfrentam dificuldades para se adaptar ao combate naval que poderia irromper ao longo de milhares de quilômetros de arquipélagos e costas marítimas na Ásia.

Em vez de lançar ataques anfíbios tradicionais, esses grupos mais ágeis são projetados para possibilitar a atuação de uma força conjunta maior.

Sua função é reunir informações de inteligência e dados sobre alvos e compartilhá-los rapidamente — assim como afundar navios ocasionalmente com mísseis de médio alcance — para ajudar a Frota do Pacífico e a Força Aérea dos EUA a repelir agressões contra os americanos e seus aliados e parceiros, como Taiwan, Japão e Filipinas.

Esses novos regimentos são projetados como uma peça de uma estratégia mais ampla para sincronizar operações de soldados, marinheiros, marines e aviadores americanos, e em intercâmbios com as forças militares de aliados e parceiros dos EUA no Pacífico.

Seu foco é uma faixa crucial de território entre o Japão e a Indonésia conhecida como Primeira Cadeia de Ilhas. A China considera que essa região, que abrange uma área equivalente a metade do território contíguo dos EUA, pertence à sua esfera de influência.

A estratégia genérica é promissora, afirmam analistas.

Mas enfrenta dificuldades significativas, especialmente se uma guerra ocorrer: desafios logísticos em uma vasta região marítima, fornecimento oportuno de equipamentos e novas tecnologias dificultado por batalhas sobre o orçamento no Congresso, uma indústria de defesa sobrecarregada e incertezas a respeito de parceiros regionais, como o Japão, permitirem que forças americanas combatam a partir de ilhas que lhes pertencem. Esse último elemento é crítico.

Pequim percebe a estratégia dos EUA de aprofundar alianças de segurança no Pacífico como um fator escalatório — o que inquieta algumas autoridades em nações parceiras que temem ver-se atraídas para um conflito entre duas potências.

Modernização chinesa
Esse jogo nunca foi tão arriscado como agora. A agressiva modernização militar colocada em prática por Pequim e o investimento chinês no setor ao longo das duas décadas recentes desafiam a capacidade dos EUA de controlar mares e céus em qualquer conflito no Pacífico Ocidental. A China expandiu vastamente seu alcance no Pacífico, construindo ilhas artificiais para instalar postos militares avançados no Mar do Sul da China e buscando expandir bases nos Oceanos Índico e Pacífico — incluindo uma instalação naval no Camboja que a inteligência americana afirma ser de uso exclusivo do Exército de Libertação Popular (ELP).

A China não apenas possui as maiores Forças Armadas da região, mas também conta com a vantagem de jogar em casa. Pequim mantém cerca de 1 milhão de soldados, mais de 3 mil aeronaves e aproximadamente 300 embarcações em atividade nos arredores para qualquer possível batalha. Enquanto isso, navios e aviões americanos têm de viajar milhares de quilômetros ou depender da boa-vontade de aliados para estacionar tropas e armamentos.

O ELP também possui maior magnitude terrestre e mais mísseis de longo alcance que as forças americanas.

Taiwan, uma aliada próxima dos EUA, está mais diretamente na mira. O presidente Xi Jinping prometeu reincorporar, pela força se necessário, a ilha autogovernada à China continental. Uma invasão bem-sucedida não apenas resultaria em mortes e destruição generalizada em Taiwan, mas também ocasionaria consequências econômicas catastróficas em razão das perturbações sobre a indústria de semicondutores mais avançada do mundo e o tráfego em duas das vias marítimas mais movimentadas do planeta — o Estreito de Taiwan e o Mar do Sul da China. Isso criaria uma incerteza enorme para empresas e consumidores em todo o mundo.

“Nós passamos a maior parte dos últimos 20 anos olhando para um adversário terrorista sem armas sofisticadas, que não tinha acesso a um poder nacional em sua plenitude”, afirmou o coronel John Lehane, comandante do 3.º Regimento Litorâneo dos marines. “E agora temos de reorientar nossas formações para alguém que pode ter essa capacidade.”

A visão e o desafio

O Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA tem um roteiro de reação, uma visão chamada Concepção da Força, que enfatiza o acionamento avançado dos marines — colocando unidades na linha de frente — ao mesmo tempo que torna seus soldados o mais invisível possível a radares e outros tipos de ferramentas eletrônicas de detecção.

A ideia é usar forças “interinas”, de até milhares de soldados em qualquer momento determinado, para possibilitar que uma força conjunta maior acione seu poder combinado contra um grande inimigo.

A aspiração é que a nova formação seja a primeira a chegar em um conflito, numa situação em que seja capaz de levantar informações para mandar coordenadas para os bombardeiros B-1 da Força Aérea poderem disparar mísseis contra fragatas chinesas a centenas de quilômetros de distância ou mandar informações sobre alvos para contrapartes filipinas que sejam capazes de mirar um míssil de cruzeiro em um destróier no contestado Mar do Sul da China.

A realidade da missão é assustadora, afirmam analistas.

Mesmo colocando marines nessas posições remotas,

reabastecê-los ao longo do tempo é algo que precisa ser ensaiado e praticado repetidamente em condições de combate simuladas,

afirmou o pesquisador Colin Smith, da Rand Corp, que no passado integrou a 1.ª Força Expedicionária dos marines, cuja área de responsabilidade inclui o Pacífico.

Sermos capazes dessa mobilização em tempos de paz não significa que conseguiremos isso durante uma guerra — especialmente durante períodos longos de tempo.

Apesar dos marines não serem mais entravados por tanques, o Time de Combate Litorâneo da nova unidade, um batalhão de infantaria, operará armas avançadas capazes de disparar mísseis contra navios inimigos a até 185 quilômetros de distância, para ajudar a impedir que o inimigo tenha acesso a gargalos marítimos cruciais, como os Estreitos de Taiwan e Lução.

Até outubro, todos os Regimentos Litorâneos dos marines terão 18 lançadores Rogue NMESIS não tripulados com base em veículos capazes de lançar dois mísseis navais a cada acionamento.

Mas um míssil de ataque naval pesa 998 quilos, e municiar essas armas em ilhas com condições desfavoráveis, sem estradas, exige transporte marítimo, que se move lentamente, ou helicópteros, que têm capacidade limitada.

Você não é muito letal com apenas dois mísseis, então é preciso ter vários em prontidão, o que é muita coisa para esconder e significa que sua capacidade de se movimentar decai imprevisivelmente,

afirmou Ivan Kanapathy, um veterano dos marines com três acionamentos no Pacífico Ocidental.

Há uma contrapartida entre letalidade e mobilidade — mobilidade enquanto uma parte enorme da capacidade de sobreviver nesse ambiente.

Apesar dos veículos NMESIS irradiarem calor e os radares emitirem sinais detectáveis, os marines tentam agir discretamente estacionando os veículos com grandes distâncias entre si, camuflando-os, movimentando-os com frequência e comunicando-se com eles apenas intermitentemente.

Táticas similares estão sendo testadas por soldados ucranianos no campo de batalha, onde, apesar da grande quantidade de sensores e drones russos,

se você dispersa e se esconde, é possível sobreviver, afirmou a diretora do programa de defesa do Centro para uma Nova Segurança Americana, Stacie Pettyjohn.

 

Mas em ilhas menores há menos lugares para se esconder e menos rodovias para se movimentar, “então é mais fácil para os chineses vasculharem e eventualmente descobrirem o que estão procurando, afirmou ela.

 

Lehane, o comandante da unidade, afirma que seu papel mais valioso não é conduzir ataques letais;

é a capacidade de ver as coisas no espaço de batalha, obter dados de alvos, perceber o que está acontecendo quando outras pessoas talvez não consigam.

Isso porque o Pentágono antecipa que numa possível guerra com a China os satélites americanos tenham seus sinais embaralhados ou sejam destruídos e que redes computacionais de navios sejam perturbadas.

A China tem agora mais sensores — entre radares, sonares, satélites e dispositivos de detecção de sinais eletrônicos — no Mar do Sul da China do que os EUA. Isso dá a Pequim uma vantagem de mira formidável, afirmou o especialista em segurança do Sudeste Asiático Gregory Poling, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

Os EUA teriam de gastar uma quantidade inaceitável de artilharia para degradar essas capacidades e cegar a China, afirmou ele.

A unidade tem praticado técnicas para se comunicar silenciosamente. Em um recinto esvaziado de um prédio cinza em sua base em Kaneohe, no Havaí, com folhas plásticas fixadas com fita cobrindo as janelas, os marines do centro de operações do regimento digitavam em laptops sobre mesas portáteis.

Em campo, o equipamento poderia ser instalado sob uma barraca, colocado em mochilas e transportado imediatamente. Analistas de inteligência, alguns com conhecimento de mandarim, estavam enviando informações aos seus comandantes no campo de treinamento de Pohakuloa, praticando o estabelecimento de conexões entre o comando em Oahu e o batalhão de infantaria na Ilha Havaí.

Mas exercícios não são vida real. O Comando do Indo-Pacífico enfrenta dificuldade para construir uma Rede de Fogo Combinado que conecte de maneira confiável sensores, atiradores e tomadores de decisão no Exército, na Marinha, no Corpo de Fuzileiros Navais e na Força Aérea.

Mas uma insuficiência crônica nos orçamentos e a antiga fricção entre comandos de batalhões e as Forças — cada qual decidindo independentemente dos comandos que hardware e software comprar — diminuíram o ritmo do desenvolvimento.

Por Ellen Nakashima (The Washington Post)

Leia a matéria completa:
https://www.estadao.com.br/internacional/como-os-estados-unidos-se-preparam-para-uma-guerra-com-a-china/

Fuzileiros navais treinam em mísseis lançados por tubo, rastreados opticamente e guiados por fio ou sistema de mísseis TOW no Havaí em janeiro Foto: Sarah L. Voisin/The Washington Post
Fuzileiros do Exército dos EUA realizam treinamentos em uma base americana em Honolulu, Havaí Foto: Sarah L. Voisin/The Washington Post
Fuzileiros americanos descansam após treinamento Foto: Sarah L. Voisin/The Washington Post
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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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