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Guerra de Trump contra imprensa ganha força com pressão regulatória e processos contra jornais

Presidente também determinou o corte de financiamento para meios públicos, além de estimular a agressão a jornalistas em protesto

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, entrou na semana passada com um processo contra o The Wall Street Journal, que pertence ao conglomerado de mídia de seu antigo aliado Rupert Murdoch, por uma reportagem que o desagradou sobre o caso Jeffrey Epstein.

O jornal também foi expulso da cobertura de sua próxima viagem presidencial.

Antes, a Associated Press foi barrada da Casa Branca por se recusar a chamar o Golfo do México de Golfo da América e os meios públicos estão sufocando sem financiamento.

Além disso, a rede de TV CBS encerrou o programa de entrevistas do comediante Stephen Colbert um dos mais tradicionais do país, em meio a uma negociação de fusão que dependiam do OK do governo.

Colbert é um crítico de Trump e frequentemente faz piadas no ar com o presidente.

Se em seu primeiro mandato Trump se limitava a escalar a retórica, apontando na cara de jornalistas e gritando “fake news” em coletivas de imprensa, no segundo ele decidiu partir para a ação.

Uma enxurrada de processos tem sobrecarregado e silenciado meios de comunicação. O presidente também determinou o corte de financiamento para meios públicos, além de estimular a agressão a jornalistas em protesto e expulsar de repórteres da Casa Branca.

Até mesmo concessões de compra e venda de veículos viraram arma de coerção em troca de uma cobertura mais favorável a seu governo.

A investida contra o WSJ teve origem na publicação de uma reportagem revelando um presente que Trump havia dado ao condenado por tráfico sexual Jeffrey Epstein, a mais nova dor de cabeça do presidente.

O gigante do jornalismo americano segue publicando investigações sobre o caso.

Mas veículos menores têm se sentido cada vez mais amedrontados em confrontar o presidente, contribuindo para o surgimento de “desertos de mídia” em grande parte do país, segundo relatório do Comitê de Proteção a Jornalistas.

Antes, o presidente substituiu veículos tradicionais de seus postos de cobertura na Casa Branca para colocar veículos e influenciadores favoráveis a ele.

Esse comportamento foi comparado por especialistas em liberdade de expressão a ações tomadas por autocratas como Viktor Orbán, na Hungria, Vladimir Putin, na Rússia, e Nayib Bukele, em El Salvador.

Ele teve vários anos [entre um mandato e outro] para pensar em como evitar os obstáculos internos e externos para conseguir o que queria e mais tempo para nutrir suas queixas,

afirma Robert Corn-Revere, advogado e conselheiro-chefe da Fundação para Direitos e Expressão Individuais (Fire, na sigla em inglês).

Assim, ao chegar ao seu segundo mandato, ele teve mais capacidade de tentar implementar esses vários desejos de sua lista para controlar a mídia.

 

Trump não é pioneiro na ação.

O controvertido republicano Richard Nixon também teve a sua “lista de inimigos” na imprensa, especialmente após o caso Watergate (em que foi relevada a sua espionagem a adversários democratas).

Mas, segundo Corn-Revere, até mesmo Nixon ficaria envergonhado pelos métodos trumpistas.

Durante audiências no Senado sobre o caso Watergate, foi revelado que Nixon tinha uma lista de inimigos

e havia um memorando sobre fazer uma lista das pessoas a quem iriam prejudicar quando chegassem ao poder.

Quando isso veio à tona, foi um escândalo nacional, a ideia de que um presidente seria realmente tão vingativo a ponto de ter uma lista de inimigos.

Em contraste, o governo Trump, e particularmente o segundo mandato de Trump, não se envergonha de nada disso.

Eles celebram ter inimigos para perseguir.

No monitor de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, os Estados Unidos seguem em queda. O país ocupa atualmente a 57ª posição do ranking mundial, duas a menos que no ano anterior.

Os EUA estão atrás de países como Serra Leoa, Romênia e Libéria.

Após um século de expansão gradual dos direitos de imprensa nos Estados Unidos,

o país está vivenciando seu primeiro declínio significativo e prolongado na liberdade de imprensa na história moderna,

e o retorno de Donald Trump à presidência está agravando muito a situação, afirma o resumo do índex da RSF.

A diferença agora é que Trump tem utilizado as instituições americanas, como Departamento de Justiça e Comissão Federal Reguladora (FCC, na sigla em inglês) para perseguir a mídia

Ele está usando as alavancas do governo com muito mais eficácia do que fez em outras áreas durante este governo,

disse Andrew Jay Schwartzman, advogado especializado em regulamentação da mídia e conselheiro sênior do Instituto Benton ao NYT.

Guerra contra a imprensa: uma linha do tempo

Fim do Voz da América

Um dos primeiros sinais de que o presidente seria mais reativo que emotivo com a imprensa ao retornar à Casa Branca foi o desmantelamento da Voz da América (VOA), um serviço de imprensa espalhado pelo mundo que servia como um soft-power americano.

O governo acusou o serviço de ser “anti-Trump” e radical demais, então cortou seus fundos.

Milhares de jornalistas e funcionários foram demitidos em várias partes do mundo.

A VOA, que surgiu durante a 2ª Guerra para ser uma contra-propaganda aos nazistas, levava uma imprensa independente para países com pouca ou nenhuma liberdade de expressão, como a Rússia e a China.

Trump também revogou o financiamento que havia sido aprovado pelo Congresso para os serviços públicos de difusão como NPR (National Public Radio) e PBS (Public Broadcast Service).

AP expulsa da Casa Branca

Em fevereiro, a Casa Branca expulsou jornalistas e fotógrafos da Associated Press do seu corpo de imprensa depois que a agência se recusou a chamar o Golfo do México de Golfo da América, como gostaria Trump.

A AP entrou com uma ação na Justiça para restaurar seu acesso, conseguindo uma vitória, mas ainda sofre retaliação e banimentos de certos eventos, como o encontro entre Trump e o presidente de El Salvador, Nayib Bukele.

Amigos na Casa Branca

Pouco depois do caso AP, no mesmo mês, a secretária de imprensa Karoline Leavitt anunciou que a Casa Branca controlaria os jornalistas que teriam acesso ao presidente no Salão Oval e em viagens no Força Aérea Um, realizando uma interferência sem precedentes na dinâmica de mídia em funcionamento há décadas.

Com isso, a Casa Branca planejava determinar os veículos que poderiam ou não participar do chamado “pool de veículos”, abrindo mais espaço para mídias favoráveis ao governo.

Ao decidir quais veículos compõem o limitado grupo de imprensa no dia a dia,

a Casa Branca estará restaurando o poder ao povo americano, disse Leavitt.

Por sua limitação de espaço, nem todos os veículos de imprensa acessam a Casa Branca ao mesmo tempo.

Assim nasceu um revezamento organizado pela Associação de Correspondentes da Casa Branca, em que os veículos que entram compartilham o material com os colegas.

Antes, o governo já havia notificado NYT, NBC News, NPR e Politico de que eles perderiam o seu espaço no Pentágono, que seria dado a veículos de extrema direita como Breitbart News e One America News

A entrevista de Kamala Harris ao 60 minutes

Um caso emblemático foi a reação de Trump a um corte de entrevista da então candidata Kamala Harris ao icônico programa 60 Minutes da CBS.

O presidente entrou com uma ação alegando que a edição da entrevista favorecia a democrata.

Dificilmente Trump ganharia o caso na Justiça, argumentam advogados.

Era uma alegação totalmente frívola, sem qualquer fundamento jurídico, afirma Corn-Revere.

Mas a Paramount, dona da CBS, decidiu fazer um acordo e pagar US$ 16 milhões (R$ 88 milhões) que seriam destinados à futura biblioteca presidencial de Trump, onde os presidentes guardam seus arquivos do mandato.

O motivo que levou a Paramount a aceitar um acordo ligou um alerta em especialistas em liberdade de imprensa: a empresa estava em processo bilionário de venda para a Skydance, cujo CEO David Ellison é apoiador de Trump.

O acordo foi fechado hoje.

Uma venda desse p orte precisava da aprovação da FCC, órgão regulador de mídia nos EUA, que atualmente está sob controle de um aliado de Trump, Brendan Carr.

O caso levantou suspeita de que o governo tenha utilizado a concessão como arma para pressionar a Paramount.

Tanto a empresa quanto a FCC negaram que a situação influenciou o processo.

A Comissão nunca fez esse tipo de interpretação editorial, afirma Robert Corn-Revere, que já foi conselheiro da FCC.

Até mesmo Brandon Carr, antes de se tornar presidente [da FCC], afirmou que o governo não tem o direito de dizer às pessoas como editar suas notícias.

No entanto, assim que o governo Trump assumiu o poder, ele reabriu a investigação.

E, no fim das contas, foi essa pressão federal que forçou o acordo, porque, por seus próprios méritos, Trump nunca teria conseguido ganhar essa ação.

 

Essas linhas de investigação não apenas vão além da autoridade legítima da FCC  concedida por lei,

mas violam a Primeira Emenda, que restringe a forma como o governo pode controlar a mídia.

O último episódio da batalha entre Trump e a CBS foi o fim do famoso talk show “The Late Show with Stephen Colbert”, em que a empresa alegou razões financeiras. O motivo, porém, não convenceu os críticos que suspeitam de razões editoriais. Trump celebrou o fim de uma era para seu crítico de longa data.

Corn-Revere assinou um artigo na revista conservadora The Dispatch em que chama a situação envolvendo a FCC e a CBS de “extorsão”, especialmente porque, depois do acordo, Trump revelou em suas redes sociais que a Skydance lhe havia presenteado com US$ 20 milhões (R$ 110 milhões) em anúncios.

Isso mostra o que esse tipo de poder coercitivo pode fazer com o que deveria ser uma organização de mídia independente, argumenta o jurista americano.

Violência contra jornalistas

Relatórios de liberdade de imprensa chamam atenção para uma escalada de violência contra jornalistas. Durante os protestos em Los Angeles contra a política migratória de Trump, foram reportados mais de 60 casos de ataques pelas forças de segurança contra profissionais da imprensa.

“Essa agressão a jornalistas tem sido um elemento recorrente na política trumpista”, afirma a RSF em seu relatório de seis meses de governo Trump, e compara:

A brutalização e a detenção de jornalistas que cobrem protestos antigovernamentais também são comuns em países como Sérvia, Turquia e Geórgia.

Por Carolina Marins

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Coletiva de imprensa da secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, em 23 de julho Foto: Julia Demaree Nikhinson/AP
O presidente dos EUA, Donald Trump Foto: Chip Somodevilla/Getty Images via AFP
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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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