Política e Análise
Lula arrisca para recompensar aliada, e Gleisi precisará se reinventar
Mesmo tendo sido ministra da Casa Civil, nova chefe das Relações Institucionais é mais conhecida do público por suas atividades partidárias.

BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi desaconselhado a entregar a articulação política à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, mas fez o movimento mesmo assim.
Aceitou o desgaste político para recompensar uma de suas aliadas mais fiéis, a quem reputa como um quadro político altamente qualificado.
Lula arriscou, e precisará contar com uma espécie de reinvenção da aliada para o novo arranjo funcionar.
O cargo mais alto ocupado por Gleisi Helena Hoffmann, de 59 anos, foi a chefia da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff, de 2011 a 2014.
Os problemas políticos da gestão Dilma eram notórios, mas a coisa degringolou mesmo no segundo mandato – nesta altura, Gleisi já não era ministra.
Mesmo tendo comandado uma das pastas mais importantes do Executivo federal por três anos, a futura chefe das Relações Institucionais é mais conhecida do público por suas atividades partidárias.
Gleisi se tornou presidente do PT em 2017, quando o partido vivia um pesadelo.
O impeachment de Dilma Rousseff fora no ano anterior.
O antipetismo, impulsionado pela Operação Lava Jato, crescia para atingir um auge em 2018 – ano em que Lula foi preso e Jair Bolsonaro, eleito.
Petistas famosos eram hostilizados pelo eleitorado.
Pedir voto para a legenda era se expor a constrangimentos.
Lula havia manobrado para Gleisi se tornar presidente do partido justamente por avaliar que a aliada tinha a disciplina e a disposição para o confronto político necessárias para conduzir a legenda em um momento de crise.
A deputada Gleisi Hoffmann, representante de um partido historicamente alinhado com o comunismo, ousou acusar Elon Musk de querer impor uma ditadura ao Brasil. Sim, a mesma Gleisi que defende e mantém relações diretas com o Partido Comunista Chinês e Cubano há mais de 40 anos. A… pic.twitter.com/xtggmDmKfC
— Karina Michelin (@karinamichelin) February 28, 2025
Ela era criticada por outros grupos petistas, mas conseguiu manter a legenda de pé.
Comandou a oposição ao governo Bolsonaro e uma campanha que canalizava as forças de seu partido para a defesa da liberdade de Lula.
Nos anos seguintes, depois de uma série de vitórias judiciais, o hoje chefe do governo deixou a cadeia em Curitiba e foi eleito presidente da República.
A firmeza de Gleisi para defender o próprio partido a transformou, possivelmente, na pessoa mais querida pela militância petista depois de Lula.
O presidente da República é grato a ela por tê-lo apoiado tanto nos 580 dias em que esteve preso.
Por outro lado, os incontáveis embates políticos dos últimos oito anos a fizeram ganhar fama de sectária – uma péssima imagem para quem vai cuidar da articulação política de um governo.
Aliados da petista dizem que ela, na verdade, é boa articuladora. Citam como exemplo a eleição de 2022, quando coube a Gleisi negociar o apoio de outras legendas à candidatura de Lula.
Também mencionam a atuação da dirigente para que seu partido apoiasse a eleição de Hugo Motta (Republicanos-PB) como presidente da Câmara.
Seja a pecha de sectária justa ou não, o fato é que a futura ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) precisa repaginar a própria imagem o mais rápido possível e dar outras demonstrações de habilidade política nas próximas semanas para não se inviabilizar junto ao Congresso.
Sua gestão à frente da SRI só dará certo se a maioria dos deputados e senadore
s a enxergarem como alguém capaz de costurar e fazer valer acordos. Essa foi a principal dificuldade de seu antecessor no cargo, Alexandre Padilha. Ele era tido como alguém hábil e de fino trato, mas congressistas reclamavam, por exemplo, do ritmo de liberação de emendas coordenada por ele.
A importância de fazer valer o combinado é personificada pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) – que passou parte de seu último mandato à frente da Casa tentando derrubar Padilha.
Lira nunca foi conhecido em Brasília como um político afável. Ainda assim, se tornou um dos deputados mais poderosos da história recente porque seus pares identificavam nele a característica de cumprir até os acordos mais difíceis.
Gleisi precisará do respaldo de Lula para criar uma reputação parecida.
O presidente da República terá de bancar os acertos que a futura ministra costurar sob pena de esvaziá-la como interlocutora junto a deputados e senadores.
A ascensão de Lira está diretamente ligada ao aumento do poder do Legislativo sobre o Orçamento federal. Lula já demonstrou insatisfação com isso diversas vezes.
Agora, governo, Congresso e Supremo Tribunal Federal estão finalizando um novo pacto em torno das emendas parlamentares. É certo que uma das missões da nova ministra da Secretaria de Relações Institucionais será impedir novos avanços de deputados e senadores sobre os recursos com os quais Lula pretende fazer obras e programas sociais para reverter a queda em sua popularidade.
O presidente da República também pode ter identificado em Gleisi uma disposição para defender o governo semelhante à que ela teve para defender o partido nos últimos anos.
O chefe do Planalto tem instruído, nos bastidores, seus ministros a serem mais incisivos no enfrentamento à oposição.
Ontem, ele mesmo disse em uma entrevista concedida em Santos (SP) que precisa de mais “agressividade” na política, ao comentar por que demitiu Nísia Trindade da Saúde, mesmo ela sendo tecnicamente respeitada.
COMO FAZER O DÓLAR DISPARAR EM 3,2,1…
Bastaram 15 minutos para o mercado reagir à mais nova contratação de Lula: a escolha de Gleisi Hoffmann para comandar a articulação política do governo.
Na prática, sua missão será encobrir o fracasso da gestão petista e fabricar… pic.twitter.com/5kVh2tpJiI
— Carol De Toni (@CarolDeToni) February 28, 2025
Relação entre Gleisi Hoffmann e Fernando Haddad é ruim
Uma das consequências de promover Gleisi Hoffmann a um cargo no coração do governo foi vista minutos depois do anúncio feito pelo Palácio do Planalto.
O dólar subiu e a bolsa começou a cair.
Isso ocorreu porque a petista já expôs uma série de divergências com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tenta controlar os gastos do governo para pôr as contas do governo em dia.
Os operadores do mercado financeiro entenderam a nomeação como um sinal de enfraquecimento de Haddad.
Além disso, Gleisi manteve até pouco tempo críticas frequentes à política de juros do Banco Central.
Apoiadores de Gleisi dizem que, ao se contrapor a medidas do ministro da Fazenda, a política estava apenas cumprindo seu papel de dirigente partidária e vocalizando os sentimentos da base petista. Ela precisará deixar o comando do PT para se tornar ministra. Além disso, segundo essa linha de raciocínio, o compromisso institucional de ocupar um cargo no coração do governo a faria moderar o discurso.
Será uma péssima notícia para Haddad se a avaliação desses aliados de Gleisi não estiver correta. Ela é muito próxima do presidente da República e abrirá um novo polo de poder no Palácio do Planalto.
Hoje, a dobradinha dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Sidônio Palmeira (Secom) é a mais poderosa no entorno de Lula.
A futura ministra tem tamanho de sobra para se contrapor a eles, se achar necessário.
Também é uma das governistas que mais diz o que pensa ao presidente da República – sem deixar de cumprir meticulosamente as tarefas determinadas por Lula.
A última coisa que Haddad precisa nesse momento é de mais uma pessoa despachando com o chefe do governo cotidianamente e dizendo a ele que as medidas para controlar a dívida pública são exageradas.
O dólar reverteu o movimento de queda depois do anúncio de que a atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi escolhida como a nova secretária de Relações Institucionais do governo. A moeda americana opera em alta de 0,7% e bateu o patamar de R$ 5,89. #CNNBrasil pic.twitter.com/aQqDoaqz3h
— CNN Economia (@CNNEconomia) February 28, 2025
Mudança interfere na sucessão no PT
A escolha de Gleisi abre caminho, ainda, para uma solução mais pacífica para a sua sucessão na presidência do PT.
A futura ministra era entusiasta de uma candidatura rival à do ex-prefeito de Araraquara Edinho Silva, o favorito de Lula para o cargo.
A ida da dirigente petista para a Secretaria de Relações Institucionais – que tem mais prestígio que a Secretaria-Geral da Presidência, cargo para o qual estava cotada até a semana passada – inviabiliza os movimentos de seu grupo dentro da corrente majoritária do PT (a CNB, Construindo um Novo Brasil) contra o candidato apoiado pelo presidente da República.
O principal nome que vinha tentando se cacifar nesse grupo era José Guimarães (PT-CE), irmão do ex-presidente do PT José Genoíno.
Guimarães é atualmente o líder do governo na Câmara.
Tem relação próxima a Arthur Lira, o que pesou a seu favor nos dois primeiros anos de governo.
Também chegou a ser cotado para o lugar de Gleisi na SRI.
Agora, corre o risco de ficar sem o ministério, a presidência do partido e a liderança do governo – o nome do líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), vem sendo citado como um possível sucessor de Guimarães no cargo.
Lula assumiu riscos políticos e econômicos para alçar Gleisi Hoffmann a uma das posições de mais poder dentro do governo.
O benefício será ter, ainda mais próxima, uma aliada disciplinada e de lealdade inquestionável.
O novo arranjo dependerá das instruções que o presidente da República der à nova auxiliar e à capacidade dela de deixar para trás a identidade de presidente do partido e assumir a de ministra da articulação política.
Por: Caio Spechoto (Broadcast), Gabriel Hirabahasi (Broadcast) e Fernanda Trisotto (Broadcast)
Lula colocou uma radical briguenta para fazer a articulação política do governo com o Congresso Nacional. Estão nos deixando sonhar com o impeachment! Gleisi Hoffmann foi uma das responsáveis por fazer Dilma se isolar e cair. Agora, Lula repete o erro. Bom para os brasileiros! pic.twitter.com/LYYa8h0eQY
— Ramiro Rosário (@curtaramiro) February 28, 2025
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