Sem o símbolo, restará o vácuo
O Dilema da Direita Brasileira: entre o símbolo e a ausência de estratégia
A chamada “direita brasileira” é, antes de tudo, uma ficção política.
Não há nela unidade doutrinária, estrutura partidária, comando hierárquico ou estratégia de poder.
O que existe são indivíduos dispersos, guiados por interesses pessoais, egos inflados e projetos eleitorais isolados.
Maquiavel, se observasse esse cenário, diria que não há virtù política — isto é, a capacidade de compreender o tempo, a realidade e moldá-la segundo um projeto de poder.
O que há, na verdade, é um amontoado de oportunistas orbitando em torno de
um nome que se tornou símbolo, mas não comandante:
Jair Bolsonaro.
Bolsonaro é o exemplo clássico de um líder sem comando efetivo.
Ou melhor: um líder que tem exército, mas não generais estrategistas.
Um príncipe rodeado de soldados fiéis, porém sem a elite pensante que organiza, disciplina e direciona.
Muito cacique para pouco índio — e pouca inteligência estratégica para muito voluntarismo.
Maquiavel diria que, sem uma hierarquia sólida, o poder se dispersa.
Bolsonaro foi traído e desobedecido por inúmeros aliados, ministros, congressistas e governadores, mostrando que a lealdade emocional não substitui a obediência organizada.
Cercou-se de bajuladores, não de estrategistas; acreditou na fidelidade pessoal, não na conveniência política; governou como se a boa intenção bastasse, esquecendo que a política é uma guerra contínua pela manutenção do poder.
Nesse ponto, vale lembrar uma cena simbólica do filme Tróia.
Quando Aquiles diz a Ulisses:
De todos os reis da Grécia, você é quem mais respeito, mas nesta guerra é um servo.
E Ulisses responde:
Às vezes é preciso servir para liderar. Espero que entenda algum dia.
Essa lição sintetiza a tragédia do bolsonarismo: muitos querem ser Aquiles — heróis indomáveis — mas poucos têm a sabedoria de Ulisses, o estrategista que entende o valor da disciplina, do tempo e do sacrifício.
Liderar é, antes de mandar, saber quando servir à causa maior.
Mas é inegável que Bolsonaro canalizou os anseios e frustrações de milhões de brasileiros que se sentiam traídos por décadas de corrupção, aparelhamento estatal e hipocrisia institucional.
Ele surgiu mais como uma reação ao sistema do que como um projeto definido de poder.
Representou o grito de uma sociedade cansada, que buscava um símbolo de resistência — e foi exatamente isso que ele se tornou: um símbolo, nada além disso. Um catalisador de emoções, não um engenheiro de estruturas.
As redes sociais desempenharam papel decisivo nesse processo.
WhatsApp, Twitter, Facebook, YouTube e Instagram foram as trincheiras de uma guerra cultural e política que a direita travou fora das instituições, nas ruas e nas telas.
Vídeos, memes e discursos diretos viralizavam em questão de horas, construindo uma narrativa de enfrentamento e autenticidade.
No entanto, a mesma ferramenta que impulsionou Bolsonaro ao poder revelou o despreparo do movimento que cresceu com ele.
A direita digital aprendeu a mobilizar, mas não a organizar. Jamais compreendeu que assuntos internos, estratégias e divergências devem permanecer no âmbito interno.
Ao contrário: cada desentendimento vira espetáculo público, entregando de bandeja para os inimigos informações, fraquezas e contradições.
Esse é o ponto onde entra a análise de Olavo de Carvalho: ele sempre distinguiu militância de massa.
A massa segue, vibra e reage; a militância pensa, planeja e conduz.
O bolsonarismo confundiu uma coisa com a outra.
Há milhões de eleitores e apoiadores, mas quase nenhuma militância treinada, formada intelectualmente e estrategicamente orientada.
O resultado é previsível: muito entusiasmo, pouca direção.
Um exército sem Estado-Maior.
Como ensinava Sun Tzu,
a vitória pertence ao lado que possui oficiais mais bem treinados e subordinados que obedecem com precisão.
No caso da direita brasileira, há soldados valentes, mas sem coordenação.
Todos querem lutar, ninguém quer obedecer.
Clausewitz complementaria dizendo que
a guerra é a continuação da política por outros meios —
e, portanto, quem não entende de política jamais entenderá de guerra.
Assim, a direita brasileira vive uma contradição insolúvel — idolatra Bolsonaro, mas não o segue.
Cada grupo interpreta o bolsonarismo à sua maneira, cria a própria “igreja”, e transforma o suposto movimento em um feudo de vaidades.
É o oposto do que Maquiavel chama de ordenamento do poder: a construção racional de uma estrutura durável, onde a obediência nasce do respeito e da coerção, não da emoção momentânea.
Os que se autodenominam “conservadores” enfrentam outro dilema: conservar o quê?
Em um país sem tradição institucional sólida, sem cultura política madura e sem valores morais estáveis, o conservadorismo vira uma caricatura — conservar ruínas?
Conservar o caos?
O conservadorismo só faz sentido em sociedades que já alcançaram algo digno de preservação.
No Brasil, o que se chama de “conservador” é, muitas vezes, um reativo moralista, sem visão de Estado e sem proposta de transformação nacional.
O caso de Santa Catarina expõe de forma cristalina essa falência.
Um estado que simbolizava o reduto da direita se tornou palco de guerra interna.
Carlos Bolsonaro, Caroline De Toni e Ana Campagnolo — três figuras do mesmo campo — trocam acusações públicas, desmoralizando não só a si mesmos, mas todo o movimento que dizem representar.
Maquiavel ensinava que o conflito interno pode fortalecer uma república, desde que seja contido dentro de instituições e propósitos.
O problema da direita brasileira é que não há “dentro”: tudo é jogado para fora, nas redes sociais, em lives e podcasts, como se a política fosse um reality show.
Falta disciplina, hierarquia e silêncio estratégico.
Nenhum exército vence discutindo em público sua própria tática.
Enquanto a esquerda opera com método, infiltração e controle narrativo, a direita se devora em praça pública — e ainda chama isso de “transparência”.
O que há é amadorismo político disfarçado de virtude moral.
Max Weber, ao falar sobre os tipos de autoridade, diferenciava o carisma da estrutura racional-burocrática.
O carisma mobiliza, mas não sustenta.
Quando o líder carismático desaparece, o grupo precisa se racionalizar — criar regras, hierarquia, sucessores.
Caso contrário, o movimento se dissolve.
Em suma, a direita brasileira nunca existiu de fato porque nunca se organizou como força política.
Viveu e ainda vive do improviso e da idolatria, não do pensamento e da estrutura.
Maquiavel diria que Bolsonaro foi um príncipe desarmado — e todo príncipe desarmado, cedo ou tarde, é devorado por seus próprios aliados.
E então fica a pergunta inevitável:
quando não existir mais Bolsonaro, o que sobrará?
Se não houver doutrina, estrutura e sucessão, o bolsonarismo se dissolverá como espuma após a onda.
Sem o símbolo, restará apenas o vácuo — e o vácuo, na política, nunca fica vazio por muito tempo.
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Por: Rodrigo Schirmer Magalhães
Cientista político e Analista de Politica
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