Política
Cultura usa novas regras de fiscalização para livrar empresa suspeita de fraudes na Lei Rouanet
Defesa da Parnaxx alega que atraso na análise de projetos gera insegurança jurídica e afirma estar à disposição das autoridades; o Ministério da Cultura não se manifestou sobre o caso
Um parecer do Ministério da Cultura, de novembro, reconhece que expirou o prazo para a pasta analisar as prestações de contas de uma empresa suspeita de fraudes na aplicação de uma parte de R$ 39,8 milhões recebidos por meio da Lei Rouanet.
O documento, anexado a um processo na Justiça, usa como referência os novos critérios criados pelo ministério de Margareth Menezes para fiscalizar gastos de projetos culturais.
A empresa também citou as novas regras para pedir o fim de processos.
Como revelou o Estadão, duas instruções normativas sobre prestação de contas de projetos culturais, criadas em 2024 e 2025, foram consideradas por auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) um afrouxamento do controle dos gastos culturais.
A Parnaxx, empresa do Paraná, recebeu recursos públicos para realizar grandes festivais, shows e musicais, como Festival de Teatro de Curitiba, Risorama, Mish Mash e programações natalinas.
A defesa afirmou ao Estadão que a empresa nunca se esquivou de prestar informações e contas, mas que ela não pode ficar à mercê da incerteza sobre suas obrigações.
Disse ainda que os devidos esclarecimentos serão feitos durante o transcorrer das investigações em andamento (leia mais abaixo).
O Ministério da Cultura não quis se manifestar.
Ao todo, a firma já captou cerca de R$ 66 milhões com leis de incentivo por meio de pelo menos 37 projetos.
Destes, 16 estão com prestações de contas em andamento e somam R$ 39,8 milhões, liberados entre 2011 e 2024.
A empresa foi à Justiça alegando que dez dos 16 projetos já deviam ter as prestações de contas declaradas prescritas, e portanto automaticamente aprovadas.
O objetivo da ação judicial é eliminar a “insegurança jurídica” deixada por possíveis sanções futuras em casos que já deveriam ter sido encerrados.
A utilização dos recursos federais pela Parnaxx é objeto de investigações federais por suspeitas de desvios e fraudes.
Um inquérito da Polícia Federal aponta
inexistência de elementos de desvio intencional de recursos, mas o Ministério Público Federal (MPF) insiste pela continuidade das apurações.
A reportagem não teve acesso ao inquérito, mas obteve um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que aponta irregularidades na utilização de verbas de projetos que a Parnaxx quer que tenham prestações de contas declaradas prescritas.
Irregularidades apontadas pela CGU
Foi uma auditoria preliminar da CGU que levou à abertura de investigação policial e a uma série de recomendações ao Ministério da Cultura para aprimoramento do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), instituído pela Lei Rouanet.
Entre as irregularidades apontadas pela Controladoria estão:
- Notas fiscais inválidas: Identificação de R$ 981 mil em documentos fiscais sem validade legal;
- Duplicidade: Casos em que a mesma nota fiscal foi utilizada para justificar gastos em projetos diferentes;
- Serviços não prestados: Notas emitidas por fornecedores que admitiram, por escrito, não terem realizado os serviços cobrados;
- Autopagamento: Registro de pagamentos em cheque nos quais a Parnaxx figurava simultaneamente como emissora e destinatária dos valores;
- Acessibilidade e contrapartidas: Distribuição de ingressos gratuitos abaixo do volume exigido e descontos indevidos para clientes de uma patrocinadora específica;
- Contorno de vedações: Suspeitas de uso de empresas do mesmo grupo econômico para driblar proibições legais.
O órgão de controle orientou o Ministério da Cultura a rejeitar integralmente despesas baseadas em notas inválidas e até inabilitar responsáveis pela Parnaxx.
Ao apresentar seus argumentos ao Judiciário e pedir o reconhecimento das prescrições, a Parnaxx usou a instrução normativa de 2025, criticada pelo TCU, como pilar de sua manifestação e retirou dela bases para questionar prazos de análise não cumpridos, vencimento do período obrigatório para guardar documentos e a obrigatoriedade do reconhecimento da prescrição pelo ministério.
A própria Instrução Normativa n. 23/2025/MinC dá o prazo de seis meses para a análise dos documentos e aplicação de sanção.
Por se tratar de análise simples de cumprimento de objeto e de prestação de contas, nada justifica uma demora mais de dez vezes superior ao prazo previsto na Instrução Normativa,
diz um trecho da petição.
A Subsecretaria de Gestão de Prestação e Tomadas de Contas (SGPTC), do Ministério da Cultura, foi acionada para emitir um parecer que pudesse orientar a defesa a ser apresentada pela União no processo.
E para isso elaborou uma nota técnica, em 19 de novembro.
O documento cita as duas instruções normativas questionadas pelo TCU como parte de um marco de modernização da gestão cultural e dá razão parcial à Parnaxx.
A nota técnica reconhece que processos estão paralisados há mais de uma década, alega que manter o caso aberto por anos por falhas formais fere o princípio da eficiência.
Tais situações geram desconforto institucional e denotam insegurança técnico-jurídica, tanto para os agentes públicos quanto para os parceiros privados, diz o parecer.
A movimentação da máquina pública para analisar o mérito de processos com fortes indícios de prescrição configura em esforço processual que incide sobre pretensões sancionatórias potencialmente extintas.
O documento salienta também que a Polícia Federal não detectou “desvios intencionais”, o que eliminaria a chance de os processos serem imprescritíveis por dano ao erário.
A perpetuação de um passivo administrativo à espera de um desfecho penal incerto e sem prazo determinado afrontaria o princípio da eficiência, configurando omissão estatal.
Portanto, a medida juridicamente adequada é o reconhecimento imediato da prescrição, frisa.
Divergência sobre dolo
A necessidade de comprovação de dolo é outro ponto do novo conjunto de regras do Ministério da Cultura criticado pelo TCU por entender que isso contraria jurisprudência da Corte. Até então, bastava comprovar a “culpa” (negligência ou erro grave) para punição. Ao exigir prova de intenção deliberada de fraudar, o ministério tornou a punição quase impossível.
A IN MinC 23/2025 inovou e aboliu a hipótese de responsabilização subjetiva, nos casos de conduta culposa, em afronta direta à jurisprudência do Tribunal e aos princípios da responsabilidade civil e da reparação do dano, bem como sem observar as situações de erro grosseiro, dizia o relatório técnico do TCU.
A ausência de dolo é um dos pontos alegados no parecer da pasta no caso Parnaxx para que as prestações de contas sejam prescritas.
A decisão administrativa deve pautar-se na realidade fática atual, ou seja: a Polícia Federal, munida de instrumental probatório exauriente (quebras de sigilo), atestou a inexistência de elementos de dolo ou desvio.
Sobremaneira que é verdade que manter processos administrativos suspensos ad aeternum, aguardando uma eventual e incerta responsabilização penal, afrontaria a segurança jurídica.
Não é por acaso que o arcabouço técnico e normativo em vigor compreende que a solução que concilia o interesse público e a legalidade é o arquivamento, complementa.
O parecer só não é totalmente favorável à empresa porque alerta para a possibilidade de medidas tomadas no âmbito da CGU ou do TCU terem resetado prazos prescricionais.
A robustez da tese de prescrição depende da confirmação de que não houve marcos interruptivos gerados por esses órgãos externos, pontua.
O caso tramita na 6ª Vara Federal de Curitiba.
No último dia 9, o pedido de liminar foi negado pela juíza federal Alessandra Anginski.
Outro lado
Ao Estadão, o advogado da Parnaxx, Fernando Muniz, afirmou que não é razoável que prestações de contas de anos atrás estejam pendentes de análise e ofereçam insegurança jurídica para produtores culturais.
Com o mandado de segurança estamos exercendo nosso direito de defesa.
A União, por uma série de razões, não cumpriu com seu papel de concluir as análises das prestações de contas no tempo correto.
O administrado não pode ficar à mercê da incerteza, da insegurança com relação ao cumprimento de suas obrigações perante órgãos públicos, disse.
Ele frisou que a Parnaxx segue produzindo espetáculos em parceria com poderes públicos e disposta a prestar todos os esclarecimentos.
Estamos falando de setor de cultura, que é muito informal, tem processos precários, aspectos acabam sendo deixados de lado em prol da produção.
Diligências, investigações e auditorias, tudo isso é praxe no universo da destinação de recursos públicos, comentou.
Por Vinícius Valfré
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