A LEI É PARA TODOS?
Polícia Federal forjou depoimentos para ajudar ‘lava jato’, mostram diálogos
A revelação de que ao menos uma delegada teria forjado e assinado depoimentos que nunca ocorreram, com a anuência de procuradores da autoproclamada operação "lava jato", pode ter desdobramentos graves para os envolvidos.
No intuito de colaborar com a atuação da chamada “lava jato”, delegados da Polícia Federal forjaram e assinaram depoimentos que jamais ocorreram. E tudo com a anuência dos procuradores de Curitiba.
É o que indicam os novos diálogos enviados ao Supremo Tribunal Federal pela defesa do ex-presidente Lula nesta segunda-feira (22/2).
As mensagens entre procuradores foram apreendidas no curso de investigação contra hackers que invadiram celulares de autoridades.
A ConJur manteve eventuais erros de digitação e ortografia presentes nas mensagens.
A constatação consta de diálogo mantido entre os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martello Júnior em janeiro de 2016.
Nele, eles relatam o que contou uma delegada da Polícia Federal chamada Erika — provavelmente a delegada Erika Marena, que era a responsável pelos casos da “lava jato”.
“Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada… Dá no mínimo uma falsidade… DPFs são facilmente expostos a problemas administrativos”, disse Deltan.
Orlando Martello Júnior mostra preocupação com a possibilidade de esses problemas administrativos levarem ao descrédito da força-tarefa de Curitiba. Diz que “se deixarmos barato, vai banalizar”.
Então propõe uma saída:
“combinar com ela de ela nos provocar diante das notícias do jornal para reinquiri-lo ou algo parecido. Podemos conversar com ela e ver qual estratégia ela prefere. Talvez até, diante da notícia, reinquiri-lo de tudo. Se não fizermos algo, cairemos em descrédito”.
A sequência do diálogo, segundo a defesa de Lula, mostra que o uso de depoimentos forjados era algo reiterado pelo grupo de procuradores de Curitiba. O diálogo segue na mensagem de Martello Júnior a Deltan Dallagnol.
“O mesmo ocorreu com padilha e outros. Temos q chamar esse pessoal aqui e reinquiri-los. Já disse, a culpa maior é nossa. Fomos displicentes!!! Todos nós, onde me incluo. Era uma coisa óbvia q não vimos. Confiamos nos advs e nos colaboradores. Erramos mesmo!”, diz.
A preocupação é, também, com a eficiência das colaborações premiadas que a força-tarefa fez uso.
“Se os colaboradores virem uma reação imediata, vão recuar. O Moura quer ficar bem com JD e demais, ao mesmo tempo em q se da de bobo e nada acontece com ele. À prova, igualmente, fica prejudicada”, complementa Martello Júnior.
“Concordo, mas se o colaborador e a defesa revelarem como foi o procedimento, a Erika pode sair muito queimada nessa… pode dar falsidade contra ela… isso que me preocupa”, responde Deltan.
A STF, a defesa de Lula destaca que ao Ministério Público cabe fazer o controle externo da atividade policial, conforme determinação da Constituição Federal.
“Em vez disso, o uso de termos de depoimentos forjados no intuito de atender aos interesses da “lava jato” era algo contumaz, admitido e tolerado por seus membros.”
Link original da matéria:
https://www.conjur.com.br/2021-fev-22/pf-forjou-depoimentos-ajudar-lava-jato-mostram-dialogos
Delegada da Polícia Federal e lavajatistas podem responder por diversos crimes
A revelação de que ao menos uma delegada teria forjado e assinado depoimentos que nunca ocorreram, com a anuência de procuradores da autoproclamada operação “lava jato”, pode ter desdobramentos graves para os envolvidos.
Os diálogos foram enviados pelos advogados do ex-presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal e foram apreendidos no curso de investigação contra hackers que invadiram os telefones de autoridades.
Na conversa revelada pela ConJur, os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martello Júnior relatam o que contou uma delegada da Polícia Federal chamada Erika — provavelmente a delegada Erika Marena, que era a responsável pelos casos do consórcio de Curitiba.
“Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada… Dá no mínimo uma falsidade… DPFs são facilmente expostos a problemas administrativos”, disse Deltan.
Figura destacada no grupo de Curitiba, Marena foi interpretada pela atriz Flávia Alessandra no filme
“Polícia Federal — A lei é para todos”.
Ela também tem um episódio trágico no currículo.
Após sair da capital do Paraná e da “lava jato”, foi para Santa Catarina.
Lá, comandou uma operação que investigava uma suposta corrupção no núcleo de ensino à distância da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que resultou na prisão preventiva do reitor Luiz Carlos Cancellier.
O professor foi solto, mas sem o direito de pisar na universidade durante o inquérito. Ele cometeu suicídio logo em seguida, em outubro de 2017.
O inquérito, por outro lado, não apresentou qualquer prova até o momento.
Para advogados constitucionalistas e criminalistas, os fatos narrados são gravíssimos e, caso confirmados, podem configurar crimes como falsidade ideológica, prevaricação e fraude processual.
“Há a possível falsidade ideológica do documento público, uma vez que teria sido fabricado um termo de depoimento com informações que não refletiam a realidade. Há a prevaricação dos agentes públicos que tomaram ciência do fato e nada fizeram. Em suma, o caso é gravíssimo e requer apurações para a eventual responsabilização dos culpados”, explica Conrado Gontijo, advogado criminalista, doutor em Direito Penal pela USP.
Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, defende uma investigação imediata contra a delegada.
“O crime consiste em materializar declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. No caso da delegada, tal conduta agrava-se por ter sido cometida por funcionária pública, prevalecendo-se do cargo”, diz.
Almino Afonso Fernandes, advogado constitucionalista e sócio do escritório Almino Afonso & Lisboa Advogados Associados, afirma que
“é simplesmente inimaginável que alguém, a pretexto de combater a corrupção, possa utilizar-se de expediente tão abominável e criminoso, como se os fins pudessem justificar os meios”.
Para Almino,
“mais lamentável, ainda, é saber que tais práticas tenham contado com a concordância de alguns poucos procuradores da República que, a rigor, deveriam defender a ordem jurídica e o Estado de Direito”.
Para David Metzker, advogado criminalista e sócio da Metzker Advocacia, a
“conduta extremamente grave e que precisa ser investigada”. “Não há como admitir que depoimentos sejam criados. São demonstrações de ilegalidades que precisam ser analisadas com urgência.”
O advogado Willer Tomaz, sócio do escritório Willer Tomaz Advogados Associados, vai além.
“São bem conhecidos na comunidade jurídica os graves abusos e arbitrariedades perpetrados na “lava jato” em face dos réus, e este fato envolvendo uma possível falsificação do depoimento de uma testemunha por parte de uma delegada da Polícia Federal, para prejudicar um ou mais acusados, poderá configurar, se comprovado, diversos crimes passíveis de prisão e representará um dos maiores escândalos já vistos na história da justiça criminal brasileira, que jamais deveria se prestar a tamanho papelão. É do interesse de toda a sociedade que o caso seja investigado rigorosamente.”
De acordo com o advogado criminalista Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim),
“caso o STF entenda pela validade das provas obtidas, a delegada federal e demais envolvidos poderão e deverão ser investigados por diversos crimes. Entre eles, falsidade ideológica e/ou documental e fraude processual majorada, além das cominações administrativas até demissão do serviço público”, opina.
Por fim, o advogado Luis Felipe D´Aloia, criminalista do escritório Bialski Advogados, entende que,
“se confirmada, tendo em vista que eram cientes e nenhuma providência tomaram, os procuradores, que têm o dever de ofício em coibir tais condutas, poderão responder por prevaricação ou até mesmo como partícipes das supostas condutas que teriam sido adotadas pela agente policial”.
Link original da matéria:
https://www.conjur.com.br/2021-fev-22/pf-forjou-depoimentos-ajudar-lava-jato-mostram-dialogos