"Hacker De Araraquara"
A CPI, Hacker Diz Que Bolsonaro Lhe Assegurou Indulto Caso Fosse Preso Por Atuação Sobre Urnas
Segundo Walter Delgatti Neto, em reunião, ex-presidente questionou se ele conseguiria invadir urnas eletrônicas, para garantir 'lisura' dos equipamentos. Encontro ocorreu no Palácio do Alvorada.
O hacker Walter Delgatti Neto disse, em depoimento à CPI dos Atos Golpistas nesta quinta-feira (17), que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) assegurou que concederia um indulto a ele, caso fosse preso ou condenado pela atuação envolvendo urnas eletrônicas.
Segundo o hacker, a promessa foi feita durante reunião no Palácio da Alvorada, antes das eleições do ano passado. Questionado pela relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), se recebeu garantia de proteção do ex-presidente, Delgatti respondeu:
“Sim, recebi. Inclusive, a ideia ali era que eu receberia um indulto do presidente. Ele havia concedido um indulto a um deputado federal. E como eu estava com o processo da Spoofing à época, e com as cautelares que me proibiam de acessar a internet e trabalhar, eu visava a esse indulto. E foi oferecido no dia.”
No encontro, que teria sido intermediado pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), o hacker afirma que o ex-presidente questionou se ele conseguiria invadir urnas eletrônicas, para testar a lisura dos equipamentos.
“Apareceu a oportunidade da deputada Carla Zambelli, de um encontro com o Bolsonaro, que foi no ano de 2022, antes da campanha. Ele queria que eu autenticasse… autenticasse a lisura das eleições, das urnas. E por ser o presidente da República, eu acabei indo ao encontro. […] Lembrando que eu estava desemparado, sem emprego, e ofereceram um emprego a mim. Por isso que eu fui até eles.”
No depoimento, Delgatti também afirmou que:
Bolsonaro citou ‘grampo’ realizado contra Moraes e pediu que ele ‘assumisse autoria’ da invasão
Marqueteiro de Bolsonaro pediu ‘código-fonte fake’ para apontar fragilidade na urna eletrônica
Zambelli prometeu a ele emprego na campanha de Bolsonaro, mas que cuidava das redes sociais da deputada
Segundo Delgatti, Bolsonaro pediu que assessores o levassem a técnicos do Ministério da Defesa, para que pudessem ajudá-lo na atuação.
“A ideia era falar sobre as urnas e sobre a eleição, e sobre a lisura das urnas. E a conversa, ela foi bem técnica, até que o presidente me disse. Falou assim: ‘Olha, a parte técnica eu não entendo, eu irei enviá-lo ao Ministério da Defesa e lá, com os técnicos, você explica tudo isso‘”, disse.
O hacker afirmou que foi levado ao Ministério da Defesa pelo general Marcelo Câmara, assessor de Bolsonaro. Segundo Delgatti, o militar retrucou a ideia, mas Bolsonaro teria dito que era “ordem minha, cumpra”.
O hacker afirmou ainda que a ideia inicial era que ele inspecionasse o código-fonte das urnas eletrônicas. No entanto, os servidores do Ministério da Defesa explicaram que o código ficava somente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e que só servidores poderiam ter acesso.
Por isso, segundo Delgatti, os servidores iam ao TSE e repassavam a ele o que viam, mas não podiam levar a íntegra do código-fonte.
‘Ordem do presidente da República’
Delgatti afirmou ainda que sabia que estava cometendo crime, mas atendeu ao pedido por “medo”, e por ser uma “ordem de um presidente da República”. Questionado pelo deputado Duarte Jr. (PSB-MA) se sabia que estava fazendo “coisas erradas”, o hacker respondeu:
“Sim, eu sabia, e lembrando que era ordem de um presidente da República. […] Então, eu estava… tanto que eu entrei em contato com a ‘Veja’ e relatei isso por medo“.
Questionado se o medo era por saber que estava cometendo um crime, Delgatti respondeu “sim”, e disse que porque Bolsonaro “me garantiu o indulto em uma eventual investigação, uma eventual denúncia, ou processo ou condenação“.
O hacker afirmou ainda estar disposto a participar de acareações e disse que Bolsonaro deu “carta branca” para fazer o que quisesse relacionado às urnas eletrônicas.
“Ele me deu carta branca para fazer o que eu quisesse relacionado às urnas. Então, eu poderia, segundo ele, cometer um ilícito, que seria anistiado, perdoado”, finalizou.
Quem é Walter Delgatti?
Delgatti ficou conhecido por ter vazado, em 2019, mensagens atribuídas ao então ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro, a integrantes da força-tarefa da Lava Jato e outras autoridades. Pela invasão, ele foi alvo da Polícia Federal na Operação Spoofing e preso.
Recentemente, o “hacker de Araraquara” voltou à mira da Polícia Federal pela invasão de sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a inclusão de um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No ofício, havia inclusive a frase “faz o L” — um dos slogans da campanha eleitoral mais recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). À época, Walter Delgatti Neto disse que o falso documento foi redigido pela deputada Carla Zambelli.
Em 2020, Walter Delgatti Neto foi posto em liberdade, com a adoção de medidas cautelares. Entre os requisitos para o relaxamento da prisão, estavam o uso de tornozeleira eletrônica e a restrição ao uso de internet.
Nos últimos meses, voltou a ser preso e solto. Primeiro, em junho, ele foi detido pelo descumprimento das medidas cautelares. Isso porque, à época, Delgatti afirmava estar cuidando do site e das redes sociais de Zambelli. Em julho, foi solto e voltou a usar tornozeleira.
No último dia 2, voltou a ser preso na operação da PF que investiga o plano para invadir sistemas do Judiciário.
Depoimento na CPI
No total, foram aprovados 6 requerimentos para convocação do hacker na CPI — todos de autoria parlamentares da base de apoio do governo, entre eles a senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Na noite desta quarta (16), o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou que o hacker recorra ao silêncio durante o depoimento. A decisão atendeu a um pedido da defesa de Delgatti. No entanto, ele ainda não usou a decisão para ficar em silêncio.
Segundo Fachin, ele também:
pode contar com a assistência de um advogado
e não deve “sofrer constrangimentos físicos ou morais decorrentes do exercício dos direitos anteriores”