diz Edson Fachin
‘A Justiça Eleitoral já pode estar sob ataque de hackers’
Sem resposta do Telegram a reiterados contatos do TSE, o ministro avisou que é hora de endurecer para evitar que a plataforma seja usada na campanha eleitoral para difundir informações falsas
A uma semana de tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin disse ao Estadão que a Justiça Eleitoral “já pode estar sob ataque de hackers” e citou a Rússia como a origem da maior parte dessa ofensiva.
“A preocupação com o ciberespaço se avolumou imensamente nos últimos
meses, e eu posso dizer a vocês que a Justiça Eleitoral já pode estar
sob ataque de hackers, não apenas de atividades de criminosos, mas
também de países, tal como a Rússia, que não têm legislação adequada
de controle”,
afirmou Fachin nesta terça-feira, 15, em entrevista
exclusiva ao jornal.
O Ministro Fachin, ao lado de Barroso e Alexandre de Moraes, insulta a Rússia no dia em que o Presidente Putin recebe a visita do Presidente Bolsonaro em Moscou. Inacreditável, inoportuno, inconcebível, antidemocrático. pic.twitter.com/pXcO3VLl5k
— Carlos Jordy (@carlosjordy) February 16, 2022
Sem resposta do Telegram
a reiterados contatos do TSE, o ministro
avisou que é hora de endurecer para evitar que a plataforma seja usada
na campanha eleitoral para difundir informações falsas. Mas destacou
que ainda vai aguardar uma posição do Congresso para restringir a
atuação de redes sociais que não têm representantes no País. “O mundo
não virou planeta sem lei.”
O ministro descartou
a possibilidade de as Forças Armadas se atrelarem
a “interesses conjunturais”, caso o presidente Jair Bolsonaro seja
derrotado nas urnas em outubro. “Nós teremos o maior teste das
instituições democráticas”, observou ele. Ao dizer que o slogan de sua
gestão no TSE será “paz e segurança nas eleições”, Fachin afirmou que
o “populismo autoritário” não tem mais espaço no Brasil. “Ditadura
nunca mais”, declarou.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O presidente Jair Bolsonaro já ameaçou não reconhecer o resultado das
urnas neste ano eleitoral. O que o TSE pode fazer se isso acontecer? E
o que pode fazer também caso surja um movimento semelhante ao da
invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos?
Eu não creio que irá acontecer.
Tenho esperança de que não aconteça e
vou trabalhar para que não aconteça. Mas, numa circunstância como
essa, nós teremos, certamente, o maior teste das instituições
democráticas do Brasil. Um grande teste para o Parlamento, que, na
democracia representativa, representa a sociedade. Um grande teste
para as Forças Armadas, que são forças permanentes, institucionais, do
Estado, e que estou seguro que permanecerão fiéis à sua missão
constitucional e não se atrelarão a interesses conjunturais. Também
será um teste para a Justiça Eleitoral, que é uma instituição
permanente do Estado. A nós caberá organizar, realizar as eleições,
declarar os eleitos, diplomar e, em seguida, haverá posse para que
cada um governe. É para efetivamente isso que vamos trabalhar.
De onde vem a confiança nesse quadro?
O que contribui para isso? Em primeiro lugar, contribui para isso que
nós tivemos 25 anos de uma ditadura civil-militar cujo resultado foi
um resultado que trouxe consequências nefastas para o Brasil. Ditadura
nunca mais. Os males da democracia devem ser resolvidos dentro da
democracia. (A Constituição) desenhou um arcabouço que, no meu modo de
ver, pode sofrer turbulências, mas será mais firme do que qualquer
populismo autoritário que tente gerar a ruína, a diluição do regime
democrático do Brasil. Eu espero que minha geração não veja isso de
novo e que meus netos cresçam numa democracia.
O senhor citou que criminosos e agentes estatais hospedados em
diversos países, como a Rússia, declararam guerra à Justiça Eleitoral.
Pode dar exemplos disso e explicar como exatamente será reforçada a
segurança cibernética nas eleições de 2022?
A preocupação
com o ciberespaço se avolumou imensamente nos últimos
meses e eu posso dizer a vocês que a Justiça Eleitoral já pode estar
sob ataque de hackers, não apenas de atividades de criminosos, mas
também de países, tal como a Rússia, que não tem legislação adequada
de controle. Porque, para garantir a liberdade, é preciso controlar
quem atenta contra a liberdade. Para garantir a liberdade de
expressão, é fundamental que se garanta a expressão da liberdade.
Porque, senão,
o discurso da liberdade é um discurso oco, é um
discurso próprio do populismo autoritário. E esse é o nosso terceiro
universo de preocupações, ou seja, universo que diz respeito a ter paz
e segurança nas eleições.
Foram detectadas ameaças na prática ou ainda estão no campo de riscos?
Nós temos riscos detectados em alguns países, como, por exemplo, na
Macedônia do Norte, que são riscos detectados, entraram no nosso radar
diagramado do desenho desses riscos… Em relação aos hackers que advêm
da Rússia, os dados que nós temos dizem respeito a um conjunto de
informações que estão disponíveis em vários relatórios internacionais
e muitos deles publicados na imprensa.
https://youtu.be/dL4ypfvD0pM
Há relatórios públicos e
relatórios de empresas privadas, que a Microsoft fez publicar perto do
fim do ano passado, que (mostram que) 58% dos ciberataques têm origem
na Rússia.
O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse, recentemente, que qualquer plataforma de comunicação que não respeite as leis brasileiras deve simplesmente ser suspensa. O senhor entende ser adequado suspender o Telegram?
Eu entendo pouco de música,
mas gosto muito de música. Gosto desde o
Pena Branca e Xavantinho até as óperas de Wagner. E nós sabemos que o
crescendo da música começa no pianíssimo, que é quase inaudível, no
piano, no forte, no muito forte e no fortíssimo. Essa escala bem
revela qual é o caminho que nós vamos seguir em relação ao Telegram.
Nós já passamos do pianíssimo, chegou a hora de entrar no movimento
crescendo forte.
Nós estamos observando,
em primeiro lugar, qual é a
resposta que o Parlamento brasileiro vai dar. Será uma grande
oportunidade de o Parlamento brasileiro pacificar esta questão
adotando uma premissa fundamental: quem entra no Brasil tem a
liberdade plena que a Constituição lhe garante e, ao mesmo tempo, a
responsabilidade integral que também deriva da Constituição, que é, em
primeiro lugar, cumprir as leis brasileiras.
Já existe no Marco Civil da Internet uma previsão que permitiria, na
visão de alguns especialistas, a atuação do TSE em relação à suspensão
de contas justamente porque não há representação.
Acaso isso não ocorra,
o que nós estamos fazendo simultaneamente é um
mapeamento das experiências de outros países. A mais recente
experiência é esta da Alemanha, cujas notícias nos últimos dias foram
bastante interessantes sobre as providências tomadas em relação ao
Telegram, que foram excluídos diversos canais que propagavam a
incitação ao ódio.
Estamos também examinando
outros países que estão
se defrontando com problemas parecidos, como o México. Portanto, o TSE
está a observar, a colaborar com o Parlamento e está a aguardar o
pronunciamento do Parlamento, mas poderá ocorrer que, em um
determinado momento, em uma determinada ação ou uma determinada
promoção que seja feita pelo Ministério Público, o Tribunal Superior
Eleitoral, ou quem sabe até mesmo o Supremo Tribunal Federal, venha a
se pronunciar sobre esta matéria. Este é o crescendo desta partitura,
nós nos encontramos atualmente nesta fase e eu, pessoalmente, comungo
de todas as ideias expressadas pelo ministro Barroso até agora sobre
esta matéria.
O senhor vai tentar novamente entrar em contato com os representantes
do Telegram?
Sim, até porque a nossa compreensão é de que uma plataforma, uma rede
que tem milhões de usuários num determinado país, não pode se esconder
por trás da transterritorialidade. O mundo não virou um planeta sem
lei. O mundo se tornou um lugar regulamentado e, especialmente pela
autonomia, pela autorregulamentação, pela liberdade, pelos espaços de
negócios, pelos espaços de ofícios públicos. Podemos citar os Estados
Unidos, onde há uma sociedade de mercado e, portanto, uma sociedade
aberta. É uma sociedade imensamente regulada, também regulada para
garantir autonomia. Esse é possivelmente o caminho que nós sigamos.
Em 2018, a eleição foi marcada por desinformação desenfreada. Para
evitar que isso se repita, que medidas o senhor deve adotar nesses
próximos cinco meses para garantir o sucesso do processo?
Em primeiro lugar, houve um conjunto de iniciativas importantes na
gestão do ministro Barroso que nós vamos dar continuidade juntos, já
com o ministro Alexandre de Moraes. Nós estamos reforçando e ampliando
o conjunto de recursos humanos e profissionais da assessoria de
combate à desinformação, inclusive com a renovação dos acordos do TSE
com as plataformas digitais conhecidas. Disseminar informação
sabidamente falsa é crime eleitoral, de forma que, se for necessário
algum tipo de providência mais severa, nós não vamos ter dúvida em
também tomar. Para isso, o juiz não age, como regra, por iniciativa
própria. É o Ministério Público que investiga, oferece denúncia.
Portanto, este é um ano também muito importante para a atuação do
Ministério Público Eleitoral em favor da lisura e da normalidade das
eleições.
Que outras ações o Tribunal Superior Eleitoral está fazendo para
combater a disseminação de informações falsas?
Estamos reforçando e ampliando o conjunto de recursos humanos e
profissionais da assessoria de combate à desinformação. Estamos dando
total apoio à rede que nós temos de trabalho na nossa Secretaria de
Comunicação, que tem feito um trabalho extraordinário de prestar
informações, criar modos amigáveis de comunicação com pessoas
interessadas, formulários de denúncia. Ao mesmo tempo nós temos uma
comissão de transparência eleitoral que está nos auxiliando. Que é
essa comissão composta de 12 membros e tem realizado um trabalho
extraordinário de sugestões. Alguns questionamentos importantes,
porque os questionamentos nos ajudaram a testar, mais uma vez, a
solidez dos nossos sistemas. As respostas que nós estamos dando a
todos os questionamentos que vieram das mais diferentes origens
contribuíram para que realizássemos mais um teste de solidez das
nossas urnas.
As emendas do orçamento secreto são apontadas por juristas e
especialistas como uma espécie de “bolsa reeleição” que anula a
possibilidade de renovação do Congresso. No Supremo Tribunal Federal,
o senhor teve um voto contra essas emendas. De que maneira a Justiça
Eleitoral deveria atuar para impedir abuso do poder econômico com
recursos públicos?
Eu fiquei vencido (no julgamento sobre o bloqueio do uso dos recursos
do orçamento secreto). As premissas que estão na sua pergunta comungam
e conversam com as premissas, embora no âmbito jurídico, que eu tomei
no voto em que fiquei vencido. A maioria do Supremo alterou a sua
percepção inicial. Isso terá consequências eleitorais. Se houver e
estiver na alçada do Tribunal Superior Eleitoral, as decisões aqui,
obviamente, serão tomadas. Mas a decisão mais relevante foi lá tomada
e eu, infelizmente, fiquei vencido.
Qual o significado do pleito de 2022 no País após ataques à democracia
nos últimos anos e diante da invasão do Capitólio nos Estados Unidos?
As eleições no Brasil são importantíssimas não apenas para o País, mas
para a região da América do Sul, da América Latina, da América
Central, da própria América do Norte e da Europa. Haja vista o que se
passa nos dias correntes em alguns países da Europa, uma Polônia,
Hungria, Turquia, para citar alguns exemplos, e o que se passa aqui
perto do Brasil como em El Salvador, recentemente na Nicarágua, a
Venezuela. Portanto, maus exemplos de derrocada no funcionamento da
democracia. E o Brasil precisa ser um bom exemplo. Nós queremos nessa
articulação internacional tornar as eleições do Brasil é uma espécie
de case mundial sobre a democracia.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Ministro diz que é hora de endurecer contra o Telegram (Crédito: Antonio Augusto/secom/TSE)[/caption]
