Mundo em luto
Presidente do Irã, Ebrahim Raisi, morre aos 63 anos em queda de helicóptero
Raisi foi eleito presidente do Irã em 2021 e era da ala ultraconservadora da política iraniana; chanceler Hossein Amir-Abdollahian também faleceu no acidente
O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, morreu em um acidente de helicóptero, que caiu na floresta Dizmar, perto da cidade de Varzaghan, no Irã, no domingo, 19, conforme a agência estatal iraniana IRNA. Além de Raisi, o chanceler iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, também faleceu, assim como dois outros passageiros da aeronave.
As equipes de resgate encontraram o helicóptero na madrugada desta segunda-feira, 20. Os canais de televisão mostraram imagens de destroços em chamas. Os corpos de todas as vítimas foram resgatados e as autoridades iranianas declararam o fim das operações de busca.
Raisi era presidente da República Islâmica desde junho de 2021, sucedendo ao moderado Hassan Rouhani após uma vitória que pôs todas as instituições políticas importantes do país sob o controle da chamada linha dura do regime.
Pela legislação iraniana, se o presidente morrer, o vice assume e uma eleição deve ser realizada em seis meses. O vice-presidente é o conservador Mohammad Mokhber.
Raisi esteve no Azerbaijão no domingo para inaugurar uma represa com o presidente do país, Ilham Aliyev. A barragem é a terceira que as duas nações construíram no rio Aras.
O helicóptero que transportava o presidente caiu em uma parte remota do país, de acordo com a mídia estatal iraniana, pondo em marcha uma grande operação de busca e resgate em meio ao mau tempo e neblina espessa.
Mais cedo, a agência de notícias oficial IRNA havia afirmado que a aeronave havia feito um pouso forçado,
mas posteriormente uma autoridade reconheceu à agência Reuters que a vida de Raisi estava “em risco
após a queda em uma região de montanha perto da fronteira com o Azerbaijão.
A morte de Raisi foi oficialmente comunicada pelo vice-presidente Mohsen Mansouri, em postagens nas redes sociais.
Mokhber liderou uma reunião de gabinete de emergência, após a notícia da localização dos destroços do helicóptero, segundo publicou o jornal britânico The Guardian.
Em um comunicado, o governo estendeu suas condolências ao líder supremo Ali Khamenei e à nação iraniana e disse que continuaria a operar “sem interrupções”, de acordo com a Press TV.
O gabinete do presidente também elogiou Raisi como um líder trabalhador e incansável que serviu ao povo do Irã para ajudar a avançar e progredir o país:
Cumpriu sua promessa e sacrificou sua vida pela nação, diz o comunicado, que afirma, ainda, que
não haverá a menor perturbação na administração do Irã após o acidente mortal.
O ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amirabdollahian; o governador da província do Azerbaijão Oriental, Malek Rahmati; e o representante do líder supremo do Irã no Azerbaijão Oriental, o aiatolá Mohammad Ali Ale-Hashem, também estavam com outras cinco pessoas na aeronave, uma de três que viajavam em um comboio presidencial — as outras aterrissaram sem problemas em Tabriz, nordeste do Irã.
Tudo indica que o mau tempo causou o acidente, que ocorre poucos dias depois de autoridades graduadas americanas e iranianas terem mantido conversações por meio de intermediários para tentar conter a ameaça de um conflito mais amplo no Oriente Médio. O Departamento de Estado dos EUA disse que acompanhava de perto os relatórios sobre o acidente, e a Casa Branca afirmou que o presidente Joe Biden foi informado.
Acidente
O acidente ocorreu na manhã de domingo, 19, e contou com diversas equipes de resgate na região, mas as condições climáticas, de muita chuva e neblina, fizeram com que o resgate fosse difícil. As equipes de busca demoraram cerca de12 horas para localizar o helicóptero.
Um drone turco detectou uma fonte de calor suspeita e transmitiu as coordenadas do local do acidente às autoridades iranianas, conforme relatado pela agência de notícias Anadolu.
Ao encontrar a localização do helicóptero e ver a cena, não há sinal de que algum dos passageiros esteja vivo,
disse o chefe da Sociedade do Crescente Vermelho iraniano, Pirhossien Koulivand, que estava no local, à televisão estatal.
Ele acrescentou que as pessoas podiam sentir cheiro de queimado no ar.
Footage shows some of the final moments of Iran's President Ebrahim Raisi before he lost his life in a helicopter crash on May 19, 2024.
Raisi was en route to the city of Tabriz in northwest Iran, returning from a dam opening ceremony on the Azerbaijan border when the aircraft… pic.twitter.com/6E0s0pYk7D
— Morbid Knowledge (@Morbidful) May 20, 2024
Quem é Ebrahim Raisi
Ebrahim Raisi foi eleito presidente do país persa em junho de 2021, ainda no primeiro turno, e é considerado um político ultraconservador. Ele contou com o apoio do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, que celebrou a eleição como uma vitória da nação contra a “propaganda inimiga”.
O pleito, no entanto, aconteceu com o menor comparecimento da história da República Islâmica — dos 59 milhões de cidadãos aptos a votar, pouco mais de 28 milhões foram às urnas.
O sentimento era de que a eleição serviria apenas para coroar um candidato com vitória já esperada, o que gerou apatia generalizada entre os eleitores iranianos.
Em outubro de 2023, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, teve um encontro bilateral com Raisi, durante a cúpula dos Brics, na África do Sul, em Joanesburgo. A reunião aconteceu após o Irã ser confirmado como novo membro do grupo.
O Irã armou a Rússia em sua guerra contra a Ucrânia, bem como lançou um ataque de drones e mísseis contra Israel em meio à guerra contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza. O Irã também continuou a armar grupos por procuração no Oriente Médio, como os rebeldes Houthi do Iêmen e o Hezbollah do Líbano.
Acusado por muitos iranianos e ativistas de direitos humanos de ter um papel em execuções em massa de prisioneiros políticos nos anos de 1980, Raisi nasceu em 1960 em Mashhad — segunda maior cidade do Irã, na região nordeste, e lar do santuário xiita mais sagrado do país — e perdeu o pai, que era clérigo, quando tinha apenas cinco anos.
Aos 15, Raisi, seguiu os passos do genitor e entrou em um seminário na cidade sagrada de Qom. Enquanto era estudante, participou de protestos contra o Xá apoiado pelo Ocidente, que acabou por ser deposto em 1979 na Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, depois da qual ingressou no Judiciário e ascendeu cedo a cargos importantes enquanto era treinado pelo aiatolá Ali Khamenei, que se tornou presidente do Irã em 1981.
Com apenas 20 anos, foi nomeado procurador-geral de Karaj, que fica perto da capital, Teerã. Aos 25 anos, tornou-se vice-procurador-geral de Teerã. Enquanto esteve nesse posto, atuou como um dos quatro juízes que participaram de tribunais secretos criados em 1988, que passaram a ser conhecidos como “Comitê da Morte”.
Essas cortes “julgaram novamente” milhares de prisioneiros que já cumpriam penas de prisão pelas suas atividades políticas. A maioria era composta por membros do grupo de oposição de esquerda Mujahedin-e Khalq (MEK), também conhecido como Organização Popular Mujahedin do Irã (PMOI).
O número exato dos que foram condenados à morte pelos tribunais não é conhecido, mas grupos de direitos humanos afirmaram que cerca de 5 mil homens e mulheres foram executados e enterrados em valas comuns não identificadas, o que constituiu um crime contra a Humanidade.
Os líderes da República Islâmica não negam que as execuções tenham acontecido, mas não discutem detalhes e a legalidade de cada caso. Embora tenha repetidamente negado seu papel nas sentenças de morte, Raisi também disse que foram justificadas por causa de uma fatwa, ou decisão religiosa, do ex-líder supremo aiatolá Khomeini.
Há cinco anos,
uma fita de áudio de uma reunião em 1988 entre Raisi, vários outros membros do Judiciário e o então vice-líder supremo, aiatolá Hossein Ali Montazeri (1922-2009), vazou.
Nele, Montazeri descreve as execuções como o maior crime da História da República Islâmica. Um ano depois, Montazeri perdeu sua posição como sucessor designado de Khomeini, e o aiatolá Khamenei tornou-se o líder supremo após a morte de Khomeini.
Entre 1989 e 1994,
Raisi exerceu a função de procurador-geral de Teerã, depois foi chefe da Organização da Inspetoria do Estado e vice-chefe da Autoridade Judiciária entre 2004 e 2014, quando foi nomeado procurador-geral nacional.
Dois anos depois, o aiatolá Khamenei o nomeou guardião de uma das fundações religiosas mais importantes e ricas do Irã, a Astan-e Quds-e Razavi. Ela administra o santuário do oitavo Imã Reza xiita em Mashad, bem como todas as várias instituições de caridade e organizações afiliadas a ele. Segundo os EUA, possui vastas participações econômicas na construção, agricultura, energia, telecomunicações e serviços financeiros.
Em 2017, Raisi surpreendeu os observadores ao candidatar-se à Presidência. Rouhani, porém, conquistou um segundo mandato com uma vitória esmagadora no primeiro turno das eleições, com 57% dos votos. Raisi, que se apresentou como um combatente anticorrupção, mas foi acusado pelo presidente de fazer pouco para combater a corrupção como vice-chefe do Judiciário, ficou em segundo lugar, com 38%.
A derrota não manchou a imagem de Raisi e, em 2019, o aiatolá Khamenei o nomeou para a poderosa chefia do Judiciário, cargo que ocupou até ser eleito presidente — o cargo de presidente é a segunda posição mais poderosa do Irã, abaixo apenas da do líder supremo, que toma as decisões finais sobre política externa ou grandes temas nacionais.
Na semana seguinte à sua nomeação ao Judiciário, foi também eleito vice-presidente da Assembleia de Peritos, o órgão clerical de 88 membros responsável pela eleição do próximo Líder Supremo.
Como chefe do Judiciário, Raisi implementou reformas que levaram a uma redução no número de pessoas condenadas à morte e executadas por crimes relacionados a drogas. No entanto, o Irã continuou a matar mais pessoas do que qualquer outro país, com exceção da China.
Também continuou trabalhando com os serviços de segurança para reprimir a dissidência e processar muitos iranianos com dupla nacionalidade ou residência permanente no estrangeiro sob acusações de espionagem.