O JUDICIÁRIO BRASILEIRO
‘Vou faturar’, ‘olha o processo com carinho’: veja mensagens sobre supostas vendas de sentenças
Relatório da PF que resultou no afastamento de desembargadores do Tribunal de Justiça do MS traz mensagens de texto e áudio trocadas por investigados
Relatório entregue pela Polícia Federal ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para pedir os mandados que culminaram no afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) nesta quinta-feira (24) traz, entre outras coisas, trocas de mensagens em texto e áudio dos investigados que, segundo os investigadores, evidenciam as negociações em vendas de sentenças.
Muitas das mensagens são trocadas por advogados que representam clientes em ações no TJMS. As negociações eram feitas por meio de lobistas e parentes dos desembargadores – alguns deles, filhos dos magistrados, também advogados. Há ainda diálogos travados diretamente entre os desembargadores afastados e as partes dos processos, como empresários e fazendeiros, que, de acordo com a PF, revelam acordos criminosos.
A equipe de O TEMPO em Brasília teve acesso à cópia do relatório feito pela PF e enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que expediu os 44 mandados de busca e apreensão para a operação desta quinta. O documento com mais de 100 páginas, em que há levantamento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontando movimentações financeiras atípicas dos desembargadores do TJMS, também traz cópias de notas fiscais e de mensagens trocadas pelos investigados.
Alguns dos diálogos recuperados por peritos e usados pela PF na investigação são entre o desembargador Marco José de Brito Rodrigues e empresários de Campo Grande (MS), e teriam o intuito de reverter decisões.
Numa troca de mensagens de textos, o assunto é um processo que tem como parte o filho de um empresário, que conversa com o desembargador responsável pelo caso.
Eles conversaram por Whatsapp. No texto, o empresário diz que precisa de um favor e, em seguida, envia o número do processo e pede ao magistrado que “olhe com carinho”. Pouco tempo depois, o desembargador repassa o número ao um assessor do TJMS. Após cinco dias, conforme o relatório da PF, o empresário volta a enviar mensagem e pede para tomar um café com o magistrado, mas não há respostas.
No entanto, ao consultar o site do TJMS, os investigadores constataram que o processo em questão se tratava de embargo de declaração cível proposto pelo filho do empresário, contra um banco, tendo o desembargador como relator. Poucos dias depois da mensagem, Marco José acolheu parcialmente os embargos, “concedendo efeitos infringentes, ou seja, modificou sua própria decisão anterior, decidindo em favor dos interesses do filho do empresários”.
‘Tá barato prefeito. Vale’, ‘é muita gente envolvida para dar certo’
Em outro diálogo por mensagem de texto recuperado pela PF, o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha negocia com o ex-prefeito de Bodoquena (MS), Jun Iti Hada, a compra de uma sentença judicial, segundo os investigadores.
O objetivo era reverter uma condenação do político por dois crimes de falsa perícia, que teriam sido cometidos como médico legista do município.
“Tá barato prefeito. Vale”, escreveu o advogado. Em resposta, o prefeito pede para parcelar o pagamento em duas vezes. O advogado alega que “…é muita gente envolvida para dar certo” e ressalta que o cliente “vai ficar sem antecedentes”, ou seja, terá a ficha criminal limpa. No relatório ao STJ, a PF destacou que em acórdão de 14 de dezembro de 2016, os desembargadores do Órgão Especial do TJMS julgaram procedente o pedido de revisão criminal do ex-prefeito, absolvendo Jun Iti Hada.
Advogado fala em ‘leilão’ entre desembargadores para venda de sentença
Outra troca de mensagens recuperada no celular de Felix Jayme da Cunha mostram o advogado antecipando uma decisão favorável à cliente dele, conforme o relatório da PF. O diálogo foi travado em 6 de abril de 2021, por exemplo. Nele, o advogado ainda disse a um servidor do TJMS que houve um “leilão danado” e que “cada um quer mais que o outro”.
To ticado num julgamento das 14hrs de hj sai agirá do TJ, vou faturar 3×2…
Pqp leilão danado kkkk … Cada um quer mais que o outro, escreveu o advogado em uma das mensagens por Whatsapp interceptadas pela PF.
Os investigadores apontaram que, em novo contato, dois dias depois, Felix da Cunha envia mensagem confirmando o resultado e reforçando a suposta compra da decisão do TJMS.
No texto, o advogado diz que estava “complementando um pagamento daquele que foi terça”. “Oh Solito, o seu eu vou sacar hoje, tá, é que eu tava complementando um pagamento daquele que foi terça, cara, ganhei por 3 x 2 lá, Bolachinha, Marcão e Divoncir, oh, coisa boa hein, Solito, aí, o seu eu ranco hoje, ontem eu terminei de pagar os caras lá”.
Bolachinha, Marcão e Divoncir seriam os apelidos que o advogado deu aos desembargadores que votaram a favor do cliente dele. A PF identificou uma grande quantidade de saques ocorridos na conta do advogado em 1º, 5 e 6 de abril de 2021. Seria indício do dinheiro destinado aos desembargadores que teria vendido a decisão judicial.
Ainda segundo a PF, os desembargadores dessa decisão, apelidados pelo advogado, seriam Sérgio Fernandes Martins, Divoncir Maran e Marcos José Rodrigues.
É certo que eles revogaram decisões de outros desembargadores para retornar a decisões em que já havia sido verificado “erro no mérito de causa”.
“[A] decisão proferida em 6 de abril de 2021 foi fruto de corrupção dos desembargadores citados”, diz a PF no relatório.
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