Entender a escolha de um novo papa
O Conclave e As Sandálias do Pescador: dois olhares sobre o poder, a fé e a fragilidade humana.
As duas obras lembram que, sob a grandiosidade das vestes e rituais, há homens comuns — que carregam sobre os ombros o peso do divino e o fardo do humano

Os filmes As Sandálias do Pescador (1968) e Conclave (2024) partem de um mesmo cenário fascinante — o Vaticano, em meio ao ritual sagrado da eleição de um novo Papa — mas exploram, cada um à sua maneira, a complexidade da fé, do poder e da natureza humana diante de suas maiores responsabilidades.
As Sandálias do Pescador, baseado no romance homônimo de Morris West, apresenta a história do cardeal ucraniano Kiril Lakota, libertado dos gulags soviéticos e inesperadamente eleito
Papa em meio a uma crise mundial.
No cinema, o personagem ganha vida com a força interpretativa de Anthony Quinn, que confere ao novo Papa uma presença carismática, humana e profundamente comovente.
A obra, publicada em 1963, foi um grande sucesso de crítica e público, ficando na lista dos mais vendidos do New York Times por várias semanas e solidificando a reputação de West como um dos grandes escritores católicos do século XX.
Embora não tenha vencido prêmios literários formais, o livro foi altamente reverenciado, e sua importância cultural lhe rendeu, anos mais tarde, uma indicação para o Nobel de Literatura.
A adaptação cinematográfica de 1968 também foi indicada a duas categorias no Oscar:
Melhor Direção de Arte e
Melhor Trilha Sonora Original.
A história é profundamente política e espiritual: retrata um Vaticano dividido entre tradição e necessidade de renovação, enquanto o mundo está à beira de uma guerra nuclear.
Kiril enfrenta o desafio de guiar a Igreja não apenas como uma instituição religiosa, mas também como mediadora de paz internacional.
É um filme sobre o peso do papado como um serviço ao mundo, colocando a caridade e o sacrifício acima das disputas de poder.
Já Conclave, adaptação do romance de Robert Harris publicado em 2016, mergulha mais no drama interno do processo de eleição.
O livro foi amplamente elogiado e se tornou finalista do Walter Scott Prize de ficção histórica, além de figurar nas listas de “livros do ano” de jornais como The Guardian e The Times.
Aqui, o foco é o cardeal decano — no livro chamado Cardeal Lomeli, de origem italiana, enquanto no filme é renomeado como Cardeal Lawrence, alteração motivada pela escalação do britânico Ralph Fiennes para o papel.
Protagonista complexo, o decano é um homem que, mesmo fragilizado pela idade, enxerga-se como um “guerreiro dentro de um castelo medieval”, orgulhoso da sua solidão.
Enquanto supervisiona o conclave para eleger o novo Papa após a morte do pontífice reinante, Lawrence (Lomeli no livro) descobre segredos que podem abalar toda a estrutura da Igreja.
O filme de 2024 traz essa tensão com um tom mais introspectivo e psicológico, revelando as manobras políticas e os dilemas morais entre os cardeais.
O paralelo entre os dois filmes é rico e simbólico.
Ambos retratam o conclave como um momento de revelação — não apenas de quem será o novo Papa, mas também dos valores e fraquezas humanas que permeiam a Igreja.
Em As Sandálias do Pescador, a escolha de Kiril representa a esperança de uma Igreja voltada para a humildade e o serviço; em Conclave, a eleição expõe o difícil equilíbrio entre a fé pessoal e a política interna.
O tom de cada filme também revela as mudanças de percepção sobre a Igreja ao longo do tempo.
Em 1968, havia uma visão mais idealizada: o Papa como salvador do mundo.
Em 2024, o olhar é mais crítico e realista: a santidade e o pecado coexistem no mesmo espaço sagrado.
Apesar das diferenças de abordagem — o épico de consciência global em As Sandálias do Pescador e o thriller psicológico em Conclave — ambos os filmes reconhecem o conclave como algo mais do que uma mera eleição: é um espelho da alma humana e uma oportunidade para a Igreja se repensar diante de seus próprios limites.
No fundo, as duas obras lembram que, sob a grandiosidade das vestes e rituais, há homens comuns — que carregam sobre os ombros o peso do divino e o fardo do humano.
Por: Cel Carlos Marcelo Cardoso Fernandes
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