ESTREIA CINEMA
Pedro Almodóvar volta ao universo das mulheres com o filme ‘Mães paralelas’
O longa estreiou nesta sexta-feira com importantes camadas políticas
Reconciliação é a palavra síntese que capta o espírito do mais recente filme de Pedro Almodóvar – Mães paralelas -, já no cinemas e presentes
na grade da Netflix a partir do dia 18.
Encerrado no trecho de texto
do jornalista e historiador uruguaio Eduardo Galeano – gabaritado na
sentença de que “a história humana se recusa a ficar calada” -, Mães
paralelas mescla dores individuais ao compêndio de sofrimento
coletivo, diante do capítulo da ditadura de Francisco Franco e das
valas reservadas para os chamados desaparecidos (numa escala de 100
mil) da guerra civil espanhola.
Um dado importante para o enredo está na profissão de um dos
protagonistas, o arqueólogo Arturo (Israel Elyalde): seu rastro faz
eco ao cinema político visto em documentários como
O silêncio dos
outros e as fitas do chileno Patrício Guzmán, investidos em acertos de
contas com o passado. Apesar do tema, com visual solar e colorido (que
dá destaque para os esmeros no registro gastronômico), Almodóvar
aposta numa visão civilizada.
Duas mulheres
tomadas por inseguranças
da maternidade e interpretadas por Penélope Cruz (vencedora do prêmio
do Festival de Veneza) e Milena Smith se conectam em definitivo. Um
conflito entre ambas será contornado pela capacidade de reconstruírem
as relações.
Musa de Almodóvar em sete longas,
Penélope interpreta Janis (nome que
celebra Janis Joplin), disposta ao regresso às origens familiares,
numa jornada em que pesa o repassar da oralidade de histórias. Depois
do envolvimento com Arturo, ela chega, por meio da sororidade, ao
encontro de Ana (Simit), solitária como a maioria das personagens do
filme, e sem estrutura familiar para a criação da filha recém-nascida.
Nas estantes
dos porta-retratos de Janis, molduras vermelhas-vivas
contrastam com o preto e branco das fotografias significativas.
Rearranjar a vida pessoal e contribuir para a Lei da Memória Histórica
(com o implemento de uma Comissão da Verdade) são objetivos de Janis.
Num filme
distanciado de moralismo, Almodóvar coloca Janis como
espécie de tutora para Ana, cuja mãe (Aitana Sánchez-Guillon),
empolgada pelo êxito de integrar o elenco de uma peça de Federico
García Lorca (vitimado na guerra civil espanhola), se revela distante.
Nisso, o filme reforça um tema almodovariano: a falta de zelo com o
amor familiar – presente em Julieta (2016) e De salto alto (1991).
Cineasta antenado
no seu tempo, o mestre espanhol ainda consegue
espaço para – como feito desde o radical Que fiz eu para merecer isto?
(1984) – discursar sobre a condição feminina.
Uma estampa de camiseta de Janis conclama:
“Deveríamos todos ser feministas”.
Temas libertários também brotam, com a breve, mas
marcante, participação da trans Daniela Santiago.
O desapego
gradual de um ente querido também dá o filme um forte
sustento dramático como visto em Volver (2006). Hábil na análise dos
registros audiovisuais e fotográficos dos próprios personagens que ele
manipula, numa linha que contempla Abraços partidos (2009) e Má
educação (2004), Almodóvar, em Mães paralelas, segue dominando o tema
uma vez que Janes é fotógrafa e monitora o bebê pelas câmeras. Imagens
de um celular, na trama, também criam um enorme suspense.
O suspense
ainda é reforçado na trilha sonora, a 13a colaboração entre
Almodóvar e o compositor Alberto Iglesias (de Dor e glória). Candidato
ao Globo de Ouro, ao Bafta inglês e ao César francês de melhor filme
estrangeiro, Mães paralelas ainda foi destaque entre o chamado Oscar
espanhol, o prêmio Goya, em oito categorias. De quebra, coroa a eterna
parceria entre Almodóvar e as atrizes Rossy de Palma e Julieta
Serrano, ambas de Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988).
Link original da matéria:
https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2022/02/4982620-pedro-almodovar-volta-ao-universo-das-mulheres-com-o-filme-maes-
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