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Opinião: Leão Serva FOLHA DE SP

Imprensa repete erro que levou Hitler ao poder ao chamar Marçal para debates

Jornalismo vive síndrome de Estocolmo em relação a mídias digitais e precisa se proteger de políticos autocráticos

Mediador do debate entre candidatos a prefeito de São Paulo na TV Cultura, interrompido depois de José Luiz Datena (PSDB) agredir Pablo Marçal (PRTB) com uma cadeira, questiona a normalização de candidatos que ameaçam a democracia e sustenta que a imprensa não deveria convidar o ex-coach para debates, já que a participação dele não é obrigatória segundo as normas eleitorais.

Dado o conhecimento que temos hoje, se Adolf Hitler fosse candidato a um cargo de governo, deveríamos convidá-lo para um debate?

Um líder político que promete atos disruptivos pode, um dia, ser considerado um participante legítimo da democracia?

A história das últimas décadas, em países como Hungria, Polônia, Venezuela, El Salvador, Filipinas, Argentina e México, mostra que as maiores ameaças à democracia frequentemente vêm de líderes autocráticos que, eleitos, trabalham para enfraquecer suas bases.

Pior: isso já ocorre em democracias consolidadas, como Israel, Estados Unidos, Alemanha e França. Veja o uso da Suprema Corte no governo Trump, onde uma maioria foi montada para decidir ao arrepio da jurisprudência ou do bom senso.

Já durante as campanhas, esses políticos começam a destruir os espaços democráticos da sociedade civil. Suas práticas incluem atacar adversários com insultos, desrespeitando normas básicas e transformando o debate em espetáculo vulgar.

O jornalismo, desde o século 18, é um elemento estrutural das democracias, funcionando como um microcosmo do debate político geral. Ao atacar jornalistas ou subverter o debate, movimentos autocráticos anunciam a destruição de todos os espaços democráticos do Estado. O alvo não é o jornalista, mas o jornalismo e a democracia.

Então, por que normalizamos candidatos que ameaçam a democracia? Como Hitler fez com os judeus, Trump inventa histórias falsas sobre imigrantes. Bolsonaro afirmou que “índios” são quase humanos, propôs guerra civil para matar 30 mil “comunistas” e defendeu a morte do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Por que recebemos essas figuras em nossos fóruns de debate?

O jornalismo está enfraquecido pela perda de audiência e vive uma “síndrome de Estocolmo” em relação às mídias digitais, que parecem dominar o espaço público. Repetem-se os erros de “apocalípticos e integrados” de Umberto Eco nos anos 1960, quando a televisão assumiu o protagonismo.

Há uma ignorância crucial nessa servidão à popularidade: redes sociais dependem da mídia convencional.

Estudos mostram que dois terços das postagens sobre temas de interesse público em mídias digitais contêm notícias de imprensa, acompanhadas apenas de uma curta opinião. Os novos meios dependem do jornalismo convencional como vampiros de sangue. Isso explica por que a “anti-imprensa” cria simulacros de jornais.

A dependência ficou clara quando o candidato Pablo Marçal culpou três semanas sem debates televisivos por sua queda nas pesquisas.

Afinal, mídias digitais não são suficientes para sustentar um candidato?

Não… É o jornalismo, estúpido!

Mas nós, gestores dos meios, somos reféns dessa síndrome. Imagino que editores na Alemanha de 1932 se sentiram assim quando o nazista foi o partido mais votado, surfando com sagacidade a nova mídia, o rádio.

Naquele momento, a democracia já havia sido leniente com Hitler, que, após uma tentativa frustrada de golpe, foi solto e passou a atuar como um político.

A democracia deve limitar as ameaças quando surgem.

Esse princípio básico, embora delicado, deve ser mantido: quem ataca a democracia precisa ser contido. E isso deve ocorrer também no microcosmo jornalístico.

Lembro de uma ocasião em que Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, me mandou interromper a impressão do jornal e destruir exemplares que continham uma entrevista com um artista plástico que quando jovem tinha colaborado com a ditadura e, no texto, defendia a tortura.

O limite da liberdade de expressão é a defesa da tortura ou da ditadura, disse Otavio.

Trump tentou um golpe de Estado em 6 de janeiro.

Como não teve sua participação política limitada, pode, agora mais ainda, minar o sistema por dentro.

O caso de Pablo Marçal ilustra a dificuldade da imprensa em lidar com manifestações antidemocráticas, como foi com Bolsonaro.

O candidato do PRTB não deveria ter espaço em debates na imprensa já que seu partido não tem representação.

Mas, por ter relevância nas pesquisas, foi aceito.

Se ele está lá, a responsabilidade é nossa.

E, como o escorpião da fábula, ele envenena o espaço por dentro.

Por que continuamos chamando figuras como Trump, Bolsonaro ou Marçal para debates?

Estamos repetindo o erro que levou Hitler ao poder.

Como ilustra a cena bíblica, no livro de Marcos,

Jesus pergunta à vítima do demônio:

Diga-me seu nome. Ele respondeu:

Meu nome é Multidão, pois somos muitos’.

Poderíamos dizer:

“Meu nome é 37% dos votos”, de Hitler.

Ou 22%, no caso de Marçal…

A democracia precisa se proteger das “legiões”, e o jornalismo deve fazer o mesmo em seu microcosmo.

Por: Leão Serva
Doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP e diretor internacional de Jornalismo da TV Cultura, em Londres

Link original da matéria:
FOLHA DE SÃO PAULO

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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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