Educação
Sobre o Contingenciamento de recursos para as Universidades Federais
A Constituição brasileira de 1988, a chamada Constituição Cidadã, possui uma enorme extensão, muitas vezes não entendida ou não explorada pelos cidadãos brasileiros.

Nesses 31 anos, houve a necessidade de um enorme ajuste nas contas públicas do Brasil, com relativo sucesso, pois saímos da espiral inflacionária com forte recessão dos anos 1980, para um período de relativa estabilidade, conseguida com o Plano Real e, principalmente, com a Lei de Responsabilidade Fiscal de maio do ano 2000.
Infelizmente, parece que o cidadão brasileiro esqueceu a história recente do país. Antes da Lei de Responsabilidade Fiscal não havia limites para a utilização de recursos pela União, Estados e Municípios.
Resultado:
Bancos e empresas públicas estaduais “quebraram”; vultosos empréstimos era obtidos por Estados e Municípios com o aval da União (que nunca foram pagos); contratações de pessoal eram feitas com puro interesse político; governantes passavam dívidas enormes para o outro, sem nenhum controle social ou do Poder Legislativo, que deveria zelar por isso.
Entrementes, é muito louvável que estudantes universitários e que a população em geral passe a se dar conta de que não existe uma máquina de fazer dinheiro ao bel prazer do Estado, como uma cornucópia de riquezas infinitas. Assim, nunca antes na história do país termos como contingenciamento” e “limites de despesa” foram tão discutidos por sábios comentaristas, intelectuais e estudantes brasileiros.
Mas é de se estranhar que o termo “contingenciamento” surgiu na prática da Administração Pública há muitos anos. Explica-se: o Orçamento Público, discutido e aprovado pelo Poder Legislativo, significa uma fixação do limite máximo de autorização de realização das despesas públicas, sempre baseado numa perspectiva de arrecadação, o chamado “limite financeiro”.
Quando essas duas contas não batem, não pode o Estado continuar a realizar despesas sem “lastro”, pois implica em responsabilização de quem efetivamente assina o pagamento, o “Ordenador de Despesas”, seja ele em que esfera ou grau hierárquico que estiver.
No segundo semestre de 1998, numa das piores crises fiscais do Brasil pós Plano Real, o Governo Federal chegou a determinar a anulação de contratos, mesmo aqueles em execução e com recursos orçamentários garantidos, por pura falta de recursos financeiros. Foi a famosa
“parada total” da administração federal naquela época, necessária para um “freio de ajuste” fiscal. Nunca estudantes saíram às ruas para protestar.
Essa prática do contingenciamento ocorre anualmente por volta do mês de março.
Explica-se: após a aprovação do Orçamento da União, com todas as inserções de Deputados e Senadores de destaques de recursos para seus justos
interesses políticos, há a necessidade de o Governo Federal contingenciar as despesas, por meio de limites à utilização dos créditos orçamentários, com a finalidade de adequar a execução do orçamento à realidade de arrecadação.
Não existindo isso, seria impossível cumprir todas as metas e mecanismos legais impostos à Administração Pública.
Esse fato é corriqueiro, ou era, até servir de mote para as recentes discussões no Congresso Nacional e com manifestações de estudantes.
Por outro lado, é interessante observar que o Tribunal de Contas da União, desde 2010, efetua o acompanhamento da gestão das Universidades
Federais por meios de uma Fiscalização de Orientação Centralizada (FOC), que na prática funciona como um processo de auditoria contínua.
Basta uma leitura rápida da FOC relativa às Universidades Federais para que se verifique que as administrações dessas instituições universitárias, e dos institutos federais de ensino, parecem ignorar pontos simples de uma boa administração e todas possuem em comum um elevado apetite ao risco administrativo.
O maior desses riscos são as chamadas Fundações de Apoio, que são instituições privadas constituídas sob a égide das universidades para gerir os recursos da União (esses agora em discussão) e os milhões que são arrecadados diretamente pelas Universidades, por meio de um sem
número de convênios, venda e administração de bens e serviços (uma das maiores imobiliárias do país é a UNB), taxas e emolumentos diversos.
Como exemplo das inúmeras auditorias do TCU em relação às Instituições Federais de Ensino, pode ser citado o mais recente sobre o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano o TCU, onde se constataram:
“falta de condições plenas de funcionamento da comissão de ética; implantação deficiente da gestão de riscos das aquisições; falhas na transparência dos processos de aquisições publicados na internet; […] incipiente planejamento anual das aquisições; […]falhas na formalização da demanda; insuficiência de demonstração das quantidades estimadas; incompletude das estimativas de preços e dos estudos técnicos preliminares; ausência de lista de verificação padrão nos autos; não adequação dos critérios de medição da qualidade dos serviços; deficiência no recebimento dos serviços; falhas na designação de fiscais de contrato; e, falta de capacitação prévia de fiscais de contratos.” (Acórdão 1035/2018 Processo 019.616/2017-1 – disponível na internet).
Nesse contexto, não se duvida da necessidade de dotar as Universidades Federais da autonomia prevista na Constituição, mas é urgente, e já passou da hora, para que ocorra a construção de uma agenda política envolvendo os diversos atores interessados no tema, inclusive o Supremo Tribunal Federal, de modo que os limites dessa autonomia possam ser definidos, bem como diminuir o conflito público X privado que ocorre hoje.
Segundo a manifestação do Professor e ex- reitor da UnB Antonio Ibañez Ruiz, conforme transcrito no Acórdão TCU nº 2731/2008:
“a continuar com as amarras administrativas e com as fundações estaremos, cada vez mais, tornando o modelo institucional das universidades ainda mais complexo e perigoso, porque os limites entre o público e o privado irão desaparecendo e, junto com eles, os princípios da ética, da justiça, da igualdade, da fraternidade, da solidariedade e muitos outros.”
Contudo, a julgar pelas recentes manifestações públicas de alunos nas ruas, essa discussão está longe de ocorrer, dado o nível de transformar a discussão técnica necessária num embate político sem necessidade num momento tão delicado e de tantas restrições financeiras.
Que o bom senso prevaleça.
Carlos Marcelo Cardoso Fernandes
Coronel Intendente da Reserva da Força Aérea, é Administrador de Empresas com atuação por mais de 22 anos na Administração Pública Federal.
É Auditor Interno, Historiador e um cidadão brasileiro e colunista do Portal 7 Minutos.

