#FuiAlém: UMOJA, Quênia, África
A estudante de jornalismo Paula Cristina Cardoso passou um mês no Quênia
E conta como foi essa experiência. Não é fácil definir os critérios do que se enquadra em uma experiência transformadora, não é mesmo?

Sabemos que as vivências de viagens são totalmente subjetivas – mesmo dentro da própria visão pessoal, conhecer um local diferente pode despertar aprendizados em muitas áreas de nossa vida.
Minha viagem ao Quênia, entre novembro e dezembro de 2019, rendeu muitos momentos marcantes.
Separei duas histórias que têm como característica ter virado meu mundo de ponta cabeça, no bom sentido. Ou, como eu gosto de dizer, ter melhorado as minhas visões dos mundos – o interior e o exterior.
Sendo assim, contarei sobre Umoja.
A primeira é o tour em Nairóbi realizado por jovens em busca de transformações sociais. A segunda é o vilarejo de etnia Samburu habitado somente por mulheres que foram vítimas de violências e buscam reconstruir narrativas de vida.
O 7Minutos se interessou por sua visita a UMOJA.
Umoja – lugar onde mulheres comandam e homens não são permitidos
Aldeia onde só tem mulheres pic.twitter.com/wyoqnDoY5b
— José Medeiros (@JoseMedeirosMT) February 22, 2021
Umoja – Unidade no idioma suaíli – é um vilarejo habitado exclusivamente por mulheres que foram vítimas de diversas formas de violência, entre elas os casamentos forçados e a violência doméstica.
Na África. pic.twitter.com/SPvn31GKjx
— José Medeiros (@JoseMedeirosMT) February 22, 2021
Localizado ao centro-norte do Quênia na Reserva Nacional Samburu, foi fundado em 1990, como forma de refúgio, por Rebecca Lolosoli – a matriarca – e mais 15 mulheres.
Estabeleceu-se como uma organização social e econômica que luta por liberdade, autonomia e pelos direitos das mulheres no país. E que promove o acolhimento àquelas que querem reconstruir suas vidas.
Já dá para perceber que a história é transformadora por si só.
Hoje em dia, as mais de 40 mulheres que vivem lá são responsáveis por tudo!
Elas quem constroem as casas, quem cuidam da alimentação e do rebanho. Produzem artesanato e administram o comércio. Cultivam uma grande horta comunitária e coordenam uma escola gratuita para crianças, até mesmo de outros vilarejos.
Não para por aí: elas realizam palestras a respeito de tabus, do bem-estar feminino e da ruptura com tradições que julgam maléficas a sua cultura.
Afinal, Paula, como você foi parar lá?
Houve um interesse instantâneo quando descobri Umoja. Inclusive, Rebecca Lolosoli é gerente e fundadora de um hotel na região: Umoja CampSite.
O local hospeda turistas que se aventuram pela reserva, mas também abre as portas para visitas ao vilarejo.
Ao mesmo tempo, havia uma importante preocupação: a visita turística seria ou não uma invasão desrespeitosa?
Após me inteirar melhor sobre a situação de Umoja, entendi que a visita daquelas e daqueles que acreditam em seu propósito era uma forma de contribuir com o seu fortalecimento, já que se encontra em um contexto atípico.
Encontrei só uma guia que realizava essa experiência – em um pacote de 2 dias. Amiga das moradoras, ela já havia ido várias vezes ao local.
Expectativas criadas, mochila arrumada e voalá!
Vivi momentos inesquecíveis.
A recepção foi muito acolhedora, com danças e cantos de boas-vindas. Nas horas seguintes, aprendi tanto sobre aquele modo de vida específico quanto sobre a cultura Samburu. Ao final, apaixonada pelos artesanatos maravilhosos, fiz compras e recebi alguns presentes como um gesto de carinho.
A manhã do dia seguinte começou com um nascer do sol magnífico.
Mais tarde, foi hora de aprender a fazer uma pulseira típica Samburu.
O resultado?
Rendeu boas risadas, já que minha capacidade era bem limitada. O que importou foi o momento de compartilhar experiências muito enriquecedoras. A despedida, antes do almoço, foi na verdade uma promessa:
Obrigada Umoja, até logo.
Seria redundante da minha parte dizer por que meu mundo virou de ponta cabeça com essa vivência. Acredito que trocas de conhecimento, carinho, risadas e aprendizados em viagens são sempre importantes; mas a oportunidade de realizá-las no Quênia, em Umoja, foi definitivamente marcante.
Sobre a viajante:
Paula Cristina Cardoso, tenho 20 anos e estudo jornalismo na Universidade de Brasília. Após um processo de autoconhecimento, percebi que cursar medicina não era o que eu gostaria: na verdade, meu verdadeiro encontro se dá com o jornalismo. Atualmente, trabalho na Facto – Agência de Comunicação e em um projeto pessoal de fotografia, o @card.dos.
Apaixonada pelas diversas formas em que o jornalismo de viagem pode se manifestar, pretendo trilhar meu caminho por aí!
Viajar, para mim, é a união perfeita entre conhecer ao outro e a si. A oportunidade de aprender e evoluir sempre vai existir, independentemente do destino, basta ter o olhar cuidadoso e o coração aberto.
Leia a matéria completa neste link:
https://www.alem.com.br/guia/destinos/fuialem-quenia-africa/
Rebecca Lolosoli é a fundadora e matriarca da vila Umoja, no condado de Samburu, no Quênia.
A vila é um refúgio para as mulheres que fogem do abuso sexual e os homens são banidos da vila. Ela planeja concorrer a um escritório local e será a primeira mulher Samburu a fazê-lo.
Wikipedia (inglês)
Conteúdo Naomekahlo.
A VILA ONDE HOMENS FORAM BANIDOS
Jane diz que foi estuprada por três homens vestindo uniformes Gurkha.
Ela estava reunindo o rebanho de bodes e ovelhas de seu marido e carregando lenha quando foi atacada.
“Eu me sentia tão envergonhada e não podia falar sobre o que aconteceu com outras pessoas. Eles fizeram coisas horríveis comigo”, diz Jane, seus olhos vibrando de dor.
Ela tem 38 anos mas parece consideravelmente mais velha. Me mostra uma cicatriz profunda em sua perna onde foi cortada por pedras quando foi empurrada para o chão. Em uma voz quieta e hesitante, continua sua história.
“Eventualmente contei para a mãe de meu marido que eu estava doente, porque precisava explicar as feridas e minha depressão. Me deram os medicamentos tradicionais, mas não me ajudou. Quando ela contou para meu marido [sobre o estupro], ele me bateu com um cano. Então eu desapareci e vim para cá com minhas crianças”.
Jane é uma residente de Umoja, a vila na pradaria de Samburu, no região norte do Quênia, protegida por uma cerca de espinhos. Eu cheguei à vila na hora mais quente do dia, quando as crianças estão dormindo. Bodes e galinhas vagam pelo lugar evitando os tapetes de bambu em que as mulheres sentadas fazem jóias para vender aos turistas, seus dedos trabalhando rapidamente enquanto falam e riem umas com as outras. Roupas secam no sol de meio dia em cima de barracas feitas de estrume de vaca, bambu e varas.
O silêncio é quebrado pela canção de um pássaro, estridente, repentino e glorioso. É uma típica vila de Samburu, exceto por uma coisa: homens não vivem aqui.
Minha chegada é recebida por canto e dança pelas mulheres. Elas vestem um traje tradicional de Samburu de saias estampadas, blusas de cores brilhantes e uma kanga (um agasalho colorido) presa em seus ombros. Colares feitos de correntes de miçangas vividamente coloridas formam um impressionante desenho circular em volta de seus pescoços. As roupas coloridas contrastam com o ar seco e terroso, e o sol árduo expõe a poeira que pontilha o ar
A vila foi fundada em 1990 por um grupo de quinze mulheres que sobreviveram a um estupro coletivo de soldados britânicos locais. Agora a população de Umoja se expandiu para incluir qualquer mulher que escapa de casamento infantil, mutilação genital, violência doméstica e estupro – sendo que todos esses casos são normas culturais em Samburu.
Rebecca Lolosoli é a fundadora de Umoja e a matriarca da vila.
Ela estava em um hospital se recuperando de um espancamento por um grupo de homens quando teve a ideia de uma comunidade feita exclusivamente por mulheres.
O espancamento foi uma tentativa de ensiná-la uma lição por ter ousado falar com as mulheres de sua vila sobre seus direitos.
Samburu é estreitamente próximo da tribo Maasai, falando uma língua similar.
Eles normalmente vivem em grupos de cinco a dez famílias e são semi nômades pastorais. Sua cultura é profundamente patriarcal. Nos encontros da vila, os homens se sentam em um círculo fechado para discutir os importantes problemas da comunidade, enquanto as mulheres se sentam do lado de fora e apenas ocasionalmente são autorizadas a expressarem uma opinião.
Os primeiros membros de Umoja vieram todos das vilas isoladas de Samburu espalhadas pelo Vale do Rift.
Desde então, mulheres e garotas que escutam sobre o refúgio vão até ele e aprendem como ter um ofício, cuidar das crianças e viver sem o medo da violência masculina e dos preconceitos sexistas.
No momento vivem 47 mulheres e 200 crianças em Umoja.
Apesar das habitantes viverem de um modo extremamente humilde, essas mulheres e garotas empreendedoras ganham uma renda regular que fornece comida, roupas e proteção para todas. As líderes da vila comandam um acampamento, um quilometro distante do rio, em que grupos de turistas safaris se hospedam. Muitos desses turistas e outros passantes de uma vizinhança com reservas naturais também visitam Umoja.
As mulheres cobram uma modesta entrada e esperam que, uma vez na vila, os visitantes comprem as jóias feitas pelas mulheres da área artesanal.
Lolosoli é alta e de porte poderoso, sua cabeça raspadas adornada com o tradicional ornamento feito de miçangas.
Um grupo de mulheres de Umoja me diz que Lolosi enfrentou repetidas ameaças e ataques dos homens locais desde que formou a vila, mas ela não se intimida.
Eu falei com Lolosoli antes de viajar até Umoja – ela estava visitando sua filha na Alemanha durante minha visita – e ela parecia orgulhosa do que ela e as outras mulheres conquistaram nos 25 anos desde que a vila foi fundada. Uma das características únicas da comunidade de Umoja é que algumas das residentes mais experientes treinam e educam mulheres e garotas que vivem ao redor das vilas de Samburu sobre assuntos como casamento precoce e mutilações genitais.
Ornar colares feitos de miçangas é recorrente na cultura de Samburu. As garotas ganham seus primeiros colares de seus pais em uma cerimônia chamada de “beading”. O pai escolhe um “guerreiro” mais velho com o qual a filha começa um casamento temporário. Gravidez é proibida, mas métodos contraceptivos são indisponíveis. Se a criança engravida, ela é forçada a abortar, conduzida por outras mulheres da vila.
“Se uma garota se casa em uma idade jovem, ela não é competente para ser uma mãe. No parto, elas enfrentam muitos desafios: elas sangram e se machucam, porque são jovens”, diz Milka, chefe da escola acadêmica construída na terra das mulheres de Umoja que é aberta para crianças de outras vilas. “Até mesmo executar suas obrigações e tarefas é difícil para elas. Elas são largadas para cuidar dos animais”.
Debaixo da “árvore do discurso”, em que as mulheres se reúnem para tomar decisões, eu falo com várias residentes entusiasmadas para contar suas histórias.
“Eu aprendi coisas aqui as quais mulheres são proibidas de saber”,
diz Nagusi, uma mulher de meia idade com cinco filhos.
“Eu posso ganhar meu próprio dinheiro e, quando um turista compra algum dos meus colares, me sinto tão orgulhosa”. Memusi é a anfitriã oficial. Ela anda até mim, as miçangas adornando sua cabeça e pescoço fazem um som delicado na brisa gentil. Ela fugiu de seu marido depois de um único dia de casamento, em 1998. “Meu pai me trocou por vacas quando eu tinha 11 anos de idade”, ela me diz com a ajuda de uma intérprete. “Meu marido tinha 57 anos”.
Judia, uma mulher confiante e extrovertida de 19 anos de idade, veio para Umboja quando tinha 13, fugindo de casa para evitar ser vendida em casamento.
“Todos os dias eu acordo e sorrio para mim mesma porque estou cercada de ajuda e apoio”,
diz Judia, suas longas tranças presas em um colorido caminho de miçangas.
“Do lado de fora, mulheres são governadas por homens para que elas não possam conquistar mudança alguma”, diz Seita Lengima, uma mulher mais velha que conheci na sombreada área comunal da vila. “As mulheres de Umoja são livres”.
Curiosamente, para uma vila composta apenas de mulheres, há, aparentemente, muitas crianças ao redor. Como isso acontece?
“Ah”, ri uma jovem mulher, “nós ainda gostamos de homens. Eles não são permitidos aqui, mas nós queremos bebês e mulheres precisam ter filhos, ainda que você não se case”.
Lotukoi é o único homem que conheço em Umoja.
Ele chega à vila todos os dias, antes do sol nascer, para reunir os rebanhos.
“Crianças, lenha e cozinha são trabalhos das mulheres e os homens cuidam dos animais”, ele me diz quando pergunto o porquê das mulheres precisarem de sua ajuda. “É engraçado porque você não vê os homens por perto aqui, mas você vê crianças pequenas, o que quer dizer que as mulheres vão encontrar homens do lado de fora”, ele diz.
Ainda há suspeitas sobre a vila na vizinhança. Na vila próxima, Samuel, o ancião da vila, me diz que
“a maioria dos homens tem três ou quatro esposas em sua vila”.
Ele está conversando com um pequeno grupo de homens segurando lanças de madeira e vestidos em coloridas vestes shukka. Eles parecem felizes em falar sobre Umoja e se animam quando pergunto como as mulheres conseguem resistir em um sociedade tão dominada por homens.
“Essa é uma vila de mulheres que vivem sozinhas, que não são casadas – algumas são vítimas de estupro, outras de casos de casamento infantil. Elas pensam que estão vivendo sem os homens, mas isso não é possível”.
“Muitas delas acabam com bebês”,
continua Samuel, fincando sua lança para enfatizar seu ponto,
“porque elas encontram homens nas cidades e são seduzidas por eles, e homens vem até aqui de noite e entram em suas cabanas, ninguém os avista”.
Todos os homens riem.
Uma jovem mulher em Umoja me diz que tem cinco crianças, todas com pais diferentes.
“Não é bom não ser casada e ter filhos em nossa cultura”,
ela me diz, enquanto limpa roupas de bebês em um balde de plástico azul, usando um pouco da preciosa água que coletou cedo naquela manhã próximo ao rio.
“Mas é pior não ter nenhuma. Sem crianças nós somos nada”.
Leia toda a matéria neste Link:
https://naomekahlo.com/a-vila-onde-homens-foram-banidos/







