EXCLUSIVO: The Intercept Brasil
ABIN FALA EM 5,5 MIL MORTES EM 15 DIAS
APESAR DAS DECLARAÇÕES em que tenta minimizar a gravidade da epidemia do novo coronavírus, Jair Bolsonaro recebe relatórios da Abin, a agência de inteligência do governo federal, que deixam claro o impacto da doença no Brasil.

O mais recente deles projeta que 5.571 brasileiros deverão morrer por covid-19 até 6 de abril – ou seja, em duas semanas.
O Intercept teve acesso aos informes da Abin – classificados como sigilosos e enviados também a agentes de governos estaduais. Os relatórios deixam ainda mais evidente o desprezo do presidente da República pela população: mesmo informado sobre quantas pessoas podem morrer,
Bolsonaro segue fazendo pouco caso da emergência. Nesta terça à noite, ele desdenhou da ciência e da imprensa antes de pedir o fim de medidas de confinamento.
Os informes da agência são claros ao enfatizar a necessidade de medidas de contenção como a quarentena – medidas essas que são ignoradas ou até criticadas por Bolsonaro, por empresários aliados e assessores do presidente.
“Coréia do Sul, Irã e China conseguiram mudar a direção da reta, provavelmente depois da adoção de medidas de contenção”,
avalia a Abin no documento mais recente, finalizado às 22h10 desta segunda, 23.
A agência é comandada pelo ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional – uma das vítimas do coronavírus após a viagem do presidente aos EUA, há alguns dias.
Veja o documento:
https://theintercept.com/document/2020/03/24/abin-2303/
No Brasil, prefeitos e governadores tomaram as rédeas da crise. Muitos instituíram quarentena à revelia do que pensa o governo federal.
Calma, pode ser que o @demori vai arrumar 5mil portos até meia noite d hj
— Daniel Silva (@danielmb40) April 6, 2020
A China conseguiu diminuição na taxa de crescimento cerca de 10-15 dias depois da adoção de medidas de contenção, inclusive com lockout (fechamento da entrada e saída de pessoas) em municípios e cidades.
A partir desse período o número de casos novos parou de crescer na mesma taxa e o número de casos ativos começou a reduzir em função da melhora dos pacientes mais antigos”, relatam os agentes.
O documento também deixa claro que “a taxa de letalidade no Brasil ainda é baixa quando comparada a outros países e aos dados da Organização Mundial da Saúde – OMS”, mas que “é importante considerar que o país se encontra no início da epidemia”.
Trabalho da @folha.
A propagação do coronavírus x O discurso de Bolsonaro. pic.twitter.com/2tqclkTtgT
— Diego Salgado (@diegosalgado7) March 20, 2020
Colapso nas UTIs em 15 dias
A Abin preparou uma projeção da demanda por leitos de UTI em duas semanas caso a curva da epidemia no Brasil seja semelhante à de Irã, Itália e China.
Nesse caso, a Abin avalia que 10.385 leitos – ou 17,4% dos quase 60 mil disponíveis no país – estarão ocupados por doentes com casos graves de covid-19.
A análise, diz a agência, é imprecisa, porque
“o Ministério da Saúde divulga os dados dos casos confirmados e dos óbitos por COVID-19, o que não permite fazer projeções mais precisas sobre o crescimento dos casos no país”.
Se o percentual parece pequeno quando se olha para a média nacional, a impressão muda ao se analisar a situação dos estados mais afetados pela doença.
No Ceará, Distrito Federal, Santa Catarina e Acre, casos graves de infecção por coronavírus demandariam 46,3%, 44,5%, 30,6% e 30,4% dos leitos de UTI, respectivamente.
Em apenas duas semanas.
Apesar de concentrar a maioria dos casos até agora – e da tendência a manter-se nessa posição –, São Paulo chegaria a 6 de abril com 25% das vagas em UTIs ocupadas por doentes de covid-19. Isso se deve ao fato do estado ter a melhor rede hospitalar do país.
Há um outro dado do próprio levantamento que agrava o caráter sombrio da análise – a taxa atual de ocupação das UTIs, segundo o Ministério da Saúde informou à Abin, gira entre 80% e 90%.
Quer dizer – o governo federal sabe que, em duas semanas, já deverá faltar vagas em terapia intensiva no país.
Mais de 5 mil mortos e 200 mil casos
A mesma curva de progressão – a de China, Itália e Irã – é usada para projetar a mortalidade da doença daqui a duas semanas.
Se o coronavírus se propagar aqui com a mesma velocidade com que se espalhou por China, Itália e Irã, o Brasil chegará a 6 de abril com 5.571 mortos e 207.435 casos da doença.
Um segundo cenário, menos sombrio, mas também menos provável, também é traçado pela Abin.
Nesse caso, a epidemia no Brasil cresceria às mesmas taxas observadas na França e na Alemanha – países cujos líderes tomaram medidas duras contra o coronavírus, em vez de menosprezá-lo e agir para atrapalhar iniciativas de governadores e prefeitos.
Ainda assim, chegaríamos a 6 de abril com a covid-19 matando 2.062 pessoas.
https://twitter.com/allantercalivre/status/1246679555785609218
Atualização do documento: https://theintercept.com/document/2020/03/24/abin-2203/
Uma ressalva importante: as projeções da Abin são feitas diariamente e a partir dos números divulgados pelo Ministério da Saúde e de comparações com as curvas de avanço da epidemia noutros países.
Assim, eles podem variar bastante de um dia para outro. Na análise de 22 de março, por exemplo, a agência projetava 8.621 mortes até 5 de abril caso a covid-19 avançasse por aqui em ritmo semelhante ao que teve na Itália – quase 60% mais do que a previsão feita no dia seguinte.
Quer dizer – os números estão longe de serem definitivos. Mas todos eles enfatizam a gravidade da situação, que o presidente e seu núcleo duro insistem em relativizar.
E ainda há um outro ponto a considerar.
Curva inferior às de Itália e EUA. Mas…
Em um terceiro documento, também enviado ontem, a Abin compara as trajetórias do avanço da epidemia na Itália, Estados Unidos e Brasil a partir do dia em que os três países chegaram a 150 casos.
Veja atualização Internacional
https://theintercept.com/document/2020/03/24/abin-sintese-nacional-2303/
Por aqui, ontem (segunda, 23) completaram-se dez dias desde que essa marca foi atingida com 1.891 casos notificados ao Ministério da Saúde.
Para efeitos de comparação, dez dias após chegarem à marca de 150 doentes confirmados, Itália e EUA já tinham, respectivamente, 2.502 e 2.247 casos.
Mas algumas ressalvas devem ser feitas. Foi justamente dez dias após a marca de 150 casos confirmados que os EUA massificaram a realização de testes – como mostra essa reportagem, em inglês.
Com isso, 19 dias após a marca de 150 casos, o país já tinha 33.546 doentes diagnosticados – mais que o dobro do que a Itália tinha no mesmo momento da epidemia (15.113).
Fazer testes em massa foi essencial para que a Coréia do Sul conseguisse deter o avanço do coronavírus e reduzir o número de mortes. Por aqui, o Ministério da Saúde anunciou no sábado, 21, a compra de 5 milhões de testes.
Hoje é dia 6. Deveríamos ter aproximadamente 5.571 mortos no Brasil por COVID-19. Não chegamos a 10% desse número catastrófico. É a quarentena que está dando certo? Não, é a mentira que está sendo desmascarada. Veja quem teve acesso aos dados SIGILOSOS da Abin: @theintercept 🤔 pic.twitter.com/K4rPQCBr5f
— Otoni de Paula (@OtoniDepFederal) April 6, 2020
Mas eles só devem chegar a hospitais e postos de saúde no dia 30 – ou seja, um mês após o Brasil registrar seus primeiros 150 casos.
Até lá, a situação já poderá estar fora do controle. Como na Itália.
https://twitter.com/allantercalivre/status/1247016498989686785
Link original da matéria:
https://theintercept.com/2020/03/24/coronavirus-abin-projeta-mortes/
