Diário da pandemia intermitente 94
O desgoverno do mundo, depois da visita à Ilha do Governador

“Um a um, foram tombando todos os meus exércitos”, até que eu fiquei sem vontade de entrar em brigas venais.
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A razão entra em parafuso, e a liberdade é guilhotinada, quando a mediocridade forma brigadas de resistência e feroz ataque ao senso comum, e à beleza ainda possível, nestes tempos conflagrados.
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Há pessoas tão falsas, que, quando estamos perto, nos flambam a banana, mas quando estamos distantes, nos esculhambam pra caramba, e nos mandam a mutamba.
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Minha primeira (e até agora única) viagem à ilha do Governador, decorreu na amável companhia de pessoas muito queridas a mim: minha mulher, minha mãe, minha tia Geralda, a irmã Águida, e meus filhos.
Uma renca inteira resolveu tirar férias no Rio de janeiro. Naqueles tempos, mesmo sendo eu jornalista e barnabé, da Prefeitura de Goiânia, era possível pagar passagem de avião, alugar apartamento perto da praia, em Nossa Senhora de Copacabana. Foi onde ficamos, por quinze bons, memoráveis aprazíveis dias.
Todos acharam a ilha do Governador encantadora. A viagem, de barco, trevessando aquele marzão besta – em verdade, a Baía de Guanabara, cantada em prosa e verso da MPB, e também por cronistas do Rio antigo.
A ilha, em si, nos pareceu ser um recanto de paz. Um anacronismo de onde era possível ver e quase ouvir o tumulto da cidade vertiginosa. Casario antigo, da que era então uma cidade-dormitório, onde só se trafegava a pé ou de charrete.
Não sei se, decorrido tantos acontecimentos tenebrosos da política, em um Rio de Janeiro que é um celeiro de intermináveis escândalos de violência e corrupção, conseguiram desgovernar aquela paisagem que de algum modo aquele pedaço de Brasil a lembrar província imperial, bem perto do pedaço marítimo de terra, a ilha Porchat, vista do embarcadouro – onde aconteceu o último baile da ilha fiscal, antes da derrocada de um estamento de poder. Uma queda dentre muitas, que depois se seguiriam, na rota de roubania e escândalos, que tem sido essa República espandongada.
P.S. Espero ainda retornar um dia à Ilha do Governador, mesmo tendo desaparecido, há tempos, qualquer resquício de governança e paz, naquelas paragens da antiga cidade maravilhosa, que foi transformada em balneário conflagrado.
Seria bom passear de novo, como flaneur da poesia em desocupação e desemprego crônico. Mesmo não podendo ter mais a amável companhia da minha mãe, minha sogra, da minha tia e irmã, que se foram para sempre.
By *Brasigóis Felício
*Brasigóis Felício é escritor e jornalista. Membro da Academia Goiana de Letras, União Brasileira de Escritores, seção de Goiás e Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Goiás e colunista do Portal 7Minutos.



