Brasigóis Felício

By Brasigóis Felício

As pontes de Madison

Longe do martírio das horas sem sentido, desperdiçadas pelo relógio dos cinzentos dias bancários – nas fraldas de uma serra onde crescem, simples e humildes, as flores do cerrado, posso

“andar pelos campos com os jacintos até os joelhos, e ter o espírito ensolarado e exultante”. Que bom seria, se nossos corpos torturados pela loucura urbana pudessem “pudessem deliciar-se, ao respirar o ar ensolarado”.

Mas, como diz um personagem do belo filme Retorno a Howard End, perdemos o simples e elementar direito de desfrutar do prazer da lentidão:

“O domínio dos bens móveis nos reduz a nômades. Vivemos numa civilização de malas”.

Como é bom acordar ao som dos pássaros, ouvindo o galo plantar a semente do dia! Assim venho despertando para a sinfonia dos dias, no bangalô que escolhi para asilar-me dos ruídos da grande máquina do mundo.

Uma ciranda de crianças a brincar às margens de um regato diz-me: “Ainda é tempo de ser simples e feliz”.

No jardim paraíso eu ouço as vozes do povo. E ao ver crianças a brincar nas ruas, despreocupadas com as dores do mundo, penso: que bom saber que não morreu de todo o tempo em que haviam galos, noites e quintais – “tempo em que o medo se chamou jamais”.

“Os velhos sonhos eram bons sonhos. Não se realizaram, mas foi bom tê-los”, diz Meryl Streep, vivendo a personagem do filme “As pontes de Madison”.

Aprendi, nesta bela obra de arte, que assinala os breves mas inesquecíveis momentos de amor, vividos por uma mulher comum. E que ter uma família não é dormir na mesma cama, ver TV na mesma sala, envolvidos nas mesmas confusões. É preciso contar sempre com as mudanças, mesmo que elas jamais venham a ser realizadas. Mudar, estar sempre abertos para o novo e a miragem, é essencial para nos manter verdadeiramente vivos e vibrantes. Pois quem ama por oficio tem que ter um amor vastíssimo. E jamais se empobrece. Antes, a cada perda, depois de cada ferida, fica cada vez mais rica.

Não perder de vista os sonhos que dão horizonte e sentido às nossas vidas – ainda que nossas mais altas aspirações resultem em fracasso e sofrimento:

Uma dona de casa no meio do nada é sempre mais do que uma simples dona de casa, se for uma pessoa que ama. Assim, jamais será uma pessoa comum. Se a dona de casa que mora no meio do nada for uma pessoa que ama, será uma mulher feliz, onde quer que more; ainda que resida em uma mansarda, ao pé de uma parede sem porta, no lugar menos belo do mundo, a meia distância entre o absurdo e o nada.

Quando fazemos a escolha da mesmice, transformamos em chumbo tudo o que existe. Depois de certo nível a neurose do medo de viver é sem volta. Aprisiona a vida de tal forma que a morte se torna a cada dia cada vez mais viva.

Os sonhos de uma pessoa são as asas da sua alma.

Ninguém pode voar com nossas asas. Só nós podemos realizar nossos sonhos.

Não viveríamos tão alheios, estrangeiros ao presente, se soubéssemos que tudo passa, e tudo pode acabar no próximo instante.

“Faça o que for preciso para ser feliz nesta vida”, diz o fotógrafo à mulher, em carta, lida depois que o tempo passou tudo a raso, e só ficaram lembranças de um encontro amoroso feliz – que poderia ter sido, e que não foi.

Ela viveu em um lugar calmo, onde as pessoas eram mais ou menos boas, mas não foi feliz de verdade, não realizou o sonho da sua vida. O estranho que chegara como um fogo muito vivo em sua vida ensinou: amar o que se faz é a maneira sábia de não ser escravo do ofício que se tem para viver.

A sequencia no final do filme é de tirar o fôlego, de tão intensa: no semáforo, na camionete do amigo, via, na camionete à frente, o homem que devolvera a luz e a intensidade à sua vida morna e sem brilho.

Era a chance de escapar da normótica vidinha feliz e costumeira, onde tudo era previsível e medíocre.

Ele esperou que ela saísse do carro e partisse com ele, quebrando as grades da prisão de seu medo de viver.

Por que não rompeu com o conhecido, e foi de encontro ao desconhecido, onde haviam tantas possibilidades?

Por que recusou a certeza que lhe chegara de repente, sabendo que nunca mais a encontraria?

*Brasigóis Felício é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras e Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Goiás, e colunista do Portal 7Minutos

Os velhos sonhos eram bons sonhos. Não se realizaram, mas foi bom tê-los”, diz Meryl Streep, vivendo a personagem do filme “As pontes de Madison”.
Os velhos sonhos eram bons sonhos. Não se realizaram, mas foi bom tê-los”, diz Meryl Streep, vivendo a personagem do filme “As pontes de Madison”.
*Brasigóis Felício é escritor e jornalista, membro da Academia Goiana de Letras e Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Goiás, e colunista do Portal 7Minutos

 

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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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