Estilo : Comportamento

Em época de pandemia

‘Peguei covid fazendo swing’

A reação dos frequentadores após interdição de boate de sexo com 300 pessoas

Os adeptos dessa prática sexual concordam que isso vai contra as medidas de controle do
coronavírus, embora admitam que continuam a frequentar esses eventos mesmo durante a pandemia.

Uma boate dedicada a encontros íntimos entre casais que reunia mais de 300 pessoas, no Rio de
Janeiro, foi interditada. Localizada em um casarão em uma avenida discreta na Barra da Tijuca,
a Asha Club é uma “balada liberal”, ou casa de “swing” — como é conhecida internacionalmente a
prática de sexo entre casais ou trocas de parceiros.

O estabelecimento foi multado e fechado por tempo indeterminado pela Vigilância Sanitária
“devido a aglomeração”, segundo a Prefeitura. A BBC News Brasil enviou questionamentos aos
responsáveis pela Asha Club, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

O episódio lança luz sobre uma prática que atrai muitos adeptos no Brasil, mas é cercada de
tabus e controvérsia, especialmente quando isso acontece em meio a uma pandemia, com uma série
de restrições impostas por governos para conter a circulação do coronavírus.

“Ninguém usava (máscara), eu só levava na bolsa mesmo”, diz à BBC News Brasil Andrea*, que
frequentava a Asha Club. “Ninguém pensa nisso na hora. Eu particularmente não penso, é o tempo
todo abaixando máscara, tirando máscara, máscara cai, pega a máscara de volta… A vontade, o
gostar, o desejo e o prazer — essas coisas falam mais alto para mim do que o distanciamento.”

Ela se diz frustrada com o fim das festas, mas reconhece que a interdição foi prudente.

“Pra
ser sincera, acho que não tem como fazer swing na pandemia. Eu não respeito isso, mas acho que
não tem como (fazer) de forma alguma, nem se diminuir a capacidade (da casa), nem se usar
álcool, porque as coisas são muito frenéticas lá dentro. O beijo rola o tempo todo, as mãos, o
sexo.”

 

“Eu não gostei (do fechamento), mas a gente tem que aceitar”, avalia. “É a minha diversão e a
de muita gente, mas acho que eles estão certos. E a vacina já está aí, daqui a pouco a gente
vai tomar, vai ficar tudo bem, aí volta tudo de novo.”

 

É importante ressaltar que, segundo autoridades de saúde, mesmo vacinadas, as pessoas ainda
podem transmitir o vírus e devem manter o distanciamento físico e o uso de máscaras até que uma
parcela suficiente da população esteja vacinada e a pandemia seja controlada, com números de
casos e mortes bem reduzidos — o que não é o caso do Brasil.

A visão dos frequentadores

Além de Andrea, a BBC News Brasil ouviu outros frequentadores da boate que foi fechada e que
costumam ir a festas de swing privadas e outros estabelecimentos do tipo que seguem
funcionando.

Todos apoiam o fechamento e concordam que a prática contradiz medidas de controle do
coronavírus — e seus depoimentos também revelam questões pouco discutidas sobre o tema, desde a
maior sensação de segurança das mulheres nestes espaços em relação ao outros locais que
frequentam no dia-a-dia até o senso de comunidade e aceitação que muitos dizem encontrar na
cena “swinger”.

 

Mauro* era um frequentador assíduo da Asha Club. Após visitarem a casa na semana anterior, já
vacinados, ele e a companheira planejavam participar do evento interrompido pela Prefeitura do
Rio, mas cancelaram os planos após um contratempo.

 

A sua história pessoal ilustra a contradição entre pandemia e swing.

“A gente não estava indo.
Em dezembro, meio que demos uma afrouxada e fomos curtir a casa. Ficamos doentes. Foi meio que
instantâneo, a gente não estava indo para lugar nenhum, passamos o ano passado todo sem fazer
nada, e aí, no momento em que a gente voltou a curtir alguma coisa, ficamos doentes.”

 

Dias depois da visita, ambos confirmaram que tinham contraído o coronavírus.

“Comecei a sentir
todos os sintomas, muita febre, garganta inflamada e tal. Fiquei bem mal, e aí paramos de
frequentar.”

 

Hoje, ele defende medidas duras de fiscalização e diz que as casas deveriam exigir comprovantes
de vacinação, além de oferecerem espaços mais arejados.

“Na casa de swing, você tem relação com pessoas de vários lugares, Estados e países.”

 

Enquanto o Brasil é criticado internacionalmente pela falta de uma legislação clara definindo
restrições nacionais para conter a doença, as principais autoridades mundiais de saúde apontam
que não existe tratamento comprovadamente eficaz contra a covid-19 — eficazes são as medidas
para não contrair o vírus, como distanciamento físico, uso de máscara e lavagem de mãos.

Todas as práticas recomendadas se mostram inviáveis em casas de swing, onde a proximidade entre
os presentes é constante. Além disso, as vacinas contra a covid-19 ajudam a evitar infecções,
mas são mais eficazes para prevenir os quadros mais graves da doença ou mortes.

 

Até a publicação desta reportagem, 42,5% dos brasileiros haviam recebido uma dose de vacina.

Os totalmente imunizados — com duas doses ou dose única — representavam 16,2%.

Preocupação e prazer

Juliana*, outra frequentadora da Asha Club, estima em “trezentas, quatrocentas” o número de
pessoas que encontrou quando visitou a casa em meio à pandemia.

Ela conta que, por conta do trabalho, faz testes de covid-19 a cada três dias.

“(Por isso)
quanto a mim, eu sempre estive despreocupada. Mas é claro que você tem aquela preocupaçãozinha
com os outros, mas não deixa de ir, né? Eu acho que a gente devia se preocupar sim, mas a
realidade é que a gente não se preocupa. Depois que está lá dentro, a gente meio que esquece.”

 

Autoridades alertam que testes rápidos, como os que são muitas vezes usados nestes casos, não
podem ser empregados isoladamente para confirmar se uma pessoa tem ou não coronavírus. A
eficácia dos testes rápidos também varia de marca para marca e é afetada conforme o intervalo
entre o contágio e o teste, que não envolve análise em laboratório e tem resultado entre 15 e
30 minutos.

 

A Organização Pan-Americana da Saúde não recomenda sua aplicação em pessoas sem os sintomas
mais conhecidos da doença, como febre, tosse contínua, dor de cabeça e perda ou mudança de
olfato e paladar.

 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em nota técnica, aponta que os

“testes rápidos para pesquisa de antígenos não substituem o PCR-RT, considerado o padrão ouro para
diagnóstico da infecção pelo vírus da covid-19.”

Vale lembrar que mesmo os testes de covid-19 laboratoriais podem falhar em detectar o vírus.

Juliana conta que está afastada da prática há alguns meses. Diz apoiar o aumento da
fiscalização, mas aponta o que, em sua opinião, há contradições nas políticas públicas de
controle da pandemia.

 

“Se as casas de festas normais estão funcionando, acho hipocrisia fechar a Asha. Porque tudo
que você faz na Asha, você faz numa boate normal. A diferença é que as vezes você sai de lá e
vai transar em outro lugar. Então, se ela tem um protocolo a seguir e não está seguindo, com
certeza tem que ser fechada. E botar 300 pessoas dentro de uma casa não é seguir protocolo.”

 

Carlos* também costumava ir à Asha e diz ser “contra estar num ambiente fechado sem proteção”.
“É o mesmo que frequentarmos estes clubes e nos relacionarmos sem preservativo. Não tem nexo”,
diz.

 

Procurada, a Secretaria de Ordem Pública da Prefeitura do Rio informou que um decreto em vigor
desde 8 de julho — as normas têm sido renovadas conforme a avaliação semanal das taxas de
transmissão do vírus na cidade —

suspende o “funcionamento de boates, danceterias e salões de
dança” na capital fluminense e esclarece que por isso a casa de swing foi interditada.

Além destes espaços,

“festas que necessitem de autorização transitória, em áreas públicas e
particulares” também estão proibidas.

Já “casas de espetáculo e concerto e as apresentações
artísticas em espaços de eventos”

estão permitidas se não houver filas de espera, aglomerações
na entrada e saída, e limite de 40% da lotação máxima em espaços fechados, e 60% em locais
abertos.

Distanciamento mínimo de 1,5m é exigido entre os presentes” — outro item não respeitado na
boate interditada.

 

“Na verdade, acho que o que falta é fiscalização”, afirma Juliana.

A Secretaria de Ordem Pública afirma que, desde o início do ano, 151 festas e eventos
clandestinos foram encerrados no Rio de Janeiro.

 

‘Mais respeitoso que Carnaval ou transporte público’
Como outros entrevistados, Juliana enfatiza que as festas não se resumem a sexo ou encontros
fortuitos.

“Numa balada liberal, a diferença é o respeito. Hoje, como mulher, você vai a uma
boate ou outros lugares os caras não respeitam. Eles te pegam, eles te apertam, eles te passam
a mão e muitas vezes você se aborrece. Por esses constrangimentos eu nunca passei por isso numa
casa de swing”, diz.

“Então, muitas vezes, eu prefiro ir pra uma casa de swing pra curtir a minha noite mesmo sem
sexo, sabendo que eu vou ser respeitada, do que ir para uma balada normal, sabendo que vou me
aborrecer.”

 

Andrea concorda e explica o que a atrai para a cena de swing.

“É um lugar mais respeitoso do
que o Carnaval de rua, do que o transporte público, do que uma casa de shows normal. Não, você
não é obrigada a nada — nem lá e nem em lugar nenhum. A gente nunca é obrigada a fazer nada”,
diz. “Se você disse não, é não. E se você disse sim, vamos ser felizes e desfrutar de muito
prazer.”

 

Mauro traz a perspectiva masculina sobre o tema

. “O swing nunca vai contra a vontade da mulher,
ele acontece justamente se a mulher quiser, se ela tiver vontade, se ela estiver confortável.
Na minha relação é assim, e para muitos casais que eu conheço e que são adeptos a esse tipo de
vida é assim, tem que ser em comum acordo para as duas partes, com muito diálogo”, diz. “Se não
houver respeito, nada acontece.”

 

Carlos descreve em detalhes o espaço agora lacrado pelas autoridades.

“São três ambientes,
sendo o primeiro andar com uma pista de dança com mesas e cadeiras, a mesa do DJ, dois
poledances e o open bar. Passando pela pista de dança, têm as cabines, que são os lugares onde
existem as brincadeiras”, diz.

“Já no segundo andar têm vários quartos, seguranças e a pessoa que fica limpando o tempo todo
os ambientes. Além dos quartos lá em cima, tem uma sala muito grande com duas camas imensas e
com colchões de borracha iguais aos dos hospitais, com vários casais fazendo sexo, sendo que
ninguém toca em ninguém sem consentimento.”

Todos os entrevistados descrevem a prática do swing como algo que vai além do sexo e também tem
a ver com um espírito comunitário.

*Os nomes dos entrevistados foram trocados para preservar sua identidade.

Link oriental da matéria:
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/bbc/2021/07/20/interna_internacional,1288429/pe
guei-covid-fazendo-swing-a-reacao-dos-frequentadores-apos-interdicao-d.shtml?
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Boate fechada na Barra da Tijuca tinha mais de 300 pessoas. (foto: Prefeitura RJ)
Adeptos do swing dizem que prática envolve muito respeito (foto: Getty Images)
‘Muitas vezes, eu prefiro ir pra uma casa de swing pra curtir a minha noite mesmo sem sexo’ (foto: Getty Images)
Procurada, boate Asha não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.  O estabelecimento foi multado e interditado pela Vigilância Sanitária por tempo indeterminado, por causa da aglomeração. O espaço também foi autuado por consumo de cigarro em ambiente fechado e funcionamento como boate. (foto: Prefeitura RJ
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  • Gildo Ribeiro

    Gildo Ribeiro é editor do Grupo 7 de Comunicação, liderado pelo Portal 7 Minutos, uma plataforma de notícias online.

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